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Rev. Yoshihiko Tonohira sobre a Terra Pura e o Brasil

Entrevista com o Reverendo Yoshihiko Tonohira
de Miguel Berredo

A possibilidade de construir uma Terra Pura no presente é uma das propostas do CEBB em sua prática cotidiana. Mas como um mestre da linhagem Terra Pura do Japão (Jodo Shinshu) vê esta possibilidade? A pergunta esteve no ar durante a entrevista com o Reverendo Yoshihiko Tonohiro, representante da maior tradição budista japonesa, que você vai ler abaixo. A conversa teve a participação do Lama Padma Samten e do editor da Revista Bodisatva, José Fonseca, e trouxe informações preciosas sobre a história desta linhagem e o método que ela utiliza para chegar à realização. O monge Tonohiro defendeu maior engajamento do budismo na realidade brasileira, com todas as suas dificuldades e complexidade. Ele lamentou que sua tradição tenha funcionado de forma fechada durante muito tempo e se mostrou esperançoso de que esta realidade possa mudar.

Carmen: Reverendo, poderia falar um pouco sobre a linhagem Terra Pura e como ela se desenvolveu?

Mestre Tonohira: A linhagem, que no Japão se chama Jodo Shinshu, foi fundada há cerca de 800 anos e hoje é a maior ordem do budismo japonês. É possível situar várias características, mas a principal é o ensinamento centrado nas pessoas comuns do mundo. São pessoas leigas, sujeitas aos kleshas (marcas mentais) e às paixões do cotidiano. Essas pessoas tomam refúgio no Buda Amitaba e geram a aspiração de nascer em sua Terra Pura, tendo assim um importante apoio em seu caminho de prática. Por dar ênfase à fé em Amitaba, um certo equívoco levou muita gente a entender que se trata quase de um cristianismo, mas os princípios do Jodo Shinshu estão fundamentados no autodespertar. Desde o início, Jodo Shinshu penetrou nas camadas populares do país. Mas também houve épocas em que foi adotada pela classe dominante, houve estes dois extremos. O Zen tinha uma relação mais forte com os samurais, os militares, enquanto que o Jodo Shinshu chegou a inspirar os levantes camponeses contra a dominação dos senhores feudais. Alguns desses levantes tiveram em suas bandeiras a frase “Eu tomo refúgio em Amitaba”.

José Fonseca: Existiu este envolvimento do budismo com a ideologia militar no Japão?

Mestre Tonohira: Na era Meiji (1868-1912), o budismo japonês colaborou com o processo das guerras imperialistas, tanto o Zen quanto outras linhagens. A meu ver ainda não houve uma autocrítica com relação a isso. A justificativa era uma espécie de ideologia das duas verdades: uma verdade interior, que seria a minha fé no Buda, que é inabalável, e uma verdade exterior, que seriam os movimentos feitos pelo Império japonês e seus destinos.

Carmen: Quais as diferentes visões dentro da linhagem Terra Pura quanto a estes extremos?

Mestre Tonohiro: A minha opção pessoal é pelos mais pobres e também os mais discriminados, como os Burakumin (minoria que considerada impura dentro da visão medieval de castas no Japão). Penso também que é preciso retomar os fundamentos da linhagem e buscar uma ruptura com a lógica da riqueza e do capital que existem no país hoje.

Carmen: Como o senhor vê a prática do Jodo Shinshu no Brasil?

Mestre Tonohira: O que tenho visto nessa viagem, a partir da visita ao templo Hompa Honganji, é que os imigrantes japoneses conservaram a tradição de uma maneira bastante fechada. Como a geração mais antiga de japoneses começou a morrer, a linhagem perdeu muitos praticantes, porque não se espalhou entre os brasileiros. Esta situação é bem triste, porque o Jodo Shinshu poderia trazer benefícios a muitas pessoas.

Carmen: É bastante discutida esta questão da religião como suporte de uma minoria étnica que se vê ameaçada de perder sua identidade. Quais seriam as maneiras de reverter isso?

Mestre Tonohira: Vi dois momentos bem interessantes nesta viagem. Um deles foi quando conhecemos o trabalho do monge Ademar Shojo Sato, no templo Shin, em São Paulo. Ele conseguiu envolver pessoas que não descendem de japoneses e criar uma rede que no futuro pode gerar um movimento comunitário para trabalhar com a situação de miséria que muitos brasileiros enfrentam. O outro momento interessante foi a visita ao Cebb Caminho do Meio. Pude ver que o encontro com a tradição tibetana não se deu no âmbito de uma comunidade fechada e isso permite que os praticantes criem vínculos com a população próxima. Este tipo de diálogo é muito importante e serve de inspiração para o Jodo Shinshu, que no futuro poderá encontrar maneiras de atender às demandas sociais dos brasileiros.

Lama Padma Samten: A analogia que eu faço é assim. As grandes tradições podem se expandir para outros países como se fossem farmacêuticos que vendem certos tipos de fármacos. Mas é preciso também existir um olhar de terapeuta, que significa ir até os doentes, ver como estão as vidas deles e do que estão de fato precisando. Este olhar de terapeuta é o olhar de Chenrezig, de Kwan Yin.

Mestre Tonohira: Grande ensinamento, muito obrigado. Não podemos negar que a tradição ofereceu um apoio importante aos migrantes, que enfrentaram condições difíceis e passaram por muitas perdas quando chegaram ao Brasil. Mas é preciso ver a realidade brasileira e o sofrimento que está presente nela, assim como o sofrimento que está presente na sociedade contemporânea. É importante definir o nosso local de vida, aquele lugar onde vamos desenvolver nossas relações e atuar para aliviar o sofrimento dos seres. Nossa prática é recitar o nome do Buda Amitaba e assim ter um encontro profundo com o nosso próprio sofrimento.

Lama Padma Samten: Eu teria uma pergunta a fazer com relação à Terra Pura, já que no Cebb este assunto é bastante sensível. Esta Terra Pura é algo que está somente no campo ideal, distante de nós? Ou podemos fazer com que ela aconteça já, nesta vida? Aqui cultivamos a noção de que a Terra Pura surge quando nos inserimos numa mandala positiva, ou seja, quando mudamos o nosso software.

Mestre Tonohira: A Terra Pura não é algo que existe só no futuro, nem é algo que está no presente. Se considerarmos os nossos kleshas e todos os obstáculos que enfrentamos, podemos pensar na Terra Pura como algo que está distante, no futuro, quase inalcançável. É muito difícil pensar que podemos chegar até ela. Mas se acolhemos o voto original do Buda Amitaba e iluminamos os nossos kleshas com a sua luz infinita, o processo se inverte. Vamos pensar na Terra Pura como algo que vem do futuro até nós. Isso seria a realização de uma grande fé

dhanapala

Este é o blog pessoal de Ricardo Sasaki, psicoterapeuta, palestrante e professor autorizado na tradição buddhista theravada (Upasaka Dhanapala) e mahayana (Ryuyo Sensei), tradutor, autor e editor de vários livros, com um grande interesse na promoção e desenvolvimento de meios hábeis que colaborem na diminuição real do sofrimento dos seres, principalmente aqueles inspirados nos ensinamentos do Buddha. Dirige o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda e escreve no blog Folhas no Caminho. É também um dos professores do Numi - Núcleo de Mindfulness para o qual escreve regularmente. Para perguntas sobre o buddhismo, estudos em grupo e sugestões para esta coluna, pode ser contactado aqui: biolinky.co/ricardosasaki

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