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Da Inexistência Inerente do Leitor

Buddhistas sabem que pessoas não têm uma existência inerente. É parte da famosa tese de anatta, o não-eu. Em conseqüência, leitores – que são também pessoas – não existem inerentemente, não têm substância própria. Entretanto existe a realidade convencional, em que conjuntos de agregados podem e devem ser chamados como existentes, ao menos convencionalmente. A tais agregados chamamos de pessoas e uma especialização delas pode ser chamada de leitor.
Bem, inicialmente, pelas estatísticas desse blog, há de fato leitores – ou pelo menos ‘clicantes’ – que aparecem aqui regularmente. Como na última folha, entretanto, foi feita uma pergunta sem receber qualquer resposta, e a julgar também por poucos comentários em folhas anteriores, talvez as estatísticas estejam mostrando não leitores, mas somente robots do google, ou clicantes fantasmagóricos. Será que da inexistência inerente do leitor deveríamos pular para a conclusão da inexistência convencional do leitor nesse blog?

Da inexistência convencional do leitor, uma pergunta interessante também surge, qual seja, a necessidade ou não de um escritor convencional do outro lado – já que um escritor de existência inerente já foi estabelecido não existir – escritor convencional este que continue a escrever. Como nesse mundo de relações uma coisa depende da outra, escritores – mesmo de baixa qualidade – dependem para sua existência de leitores. Se não há leitor sem que haja alguém que escreva, também sem leitores não existem escritores, pois este é definido pela existência, ainda que convencional, daqueles.

Então temos o famoso koan zen que pergunta: se uma árvore cai na floresta, mas não há ninguém lá para ouvi-la, será que ela realmente caiu? Sem entrar nas intrincadas explicações da interdependência e filosofias como o yogacara/citramata, a pergunta pode ser colocada: se algo é escrito nesse blog, e não há um leitor (que indique a existência de sua existência), será que algo realmente foi escrito? Ou ainda, se as folhas não parecerem estar sendo mais escritas, não pensem os leitores que elas pararam. Talvez elas ainda estejam sendo escritas, apenas não há leitores para vê-las. Mas como não há mesmo leitores, eles não saberão disso. Como as árvores que caem nas florestas, se não há um ouvinte, será que elas caíram ou não? Fica o koan…

dhanapala

Este é o blog pessoal de Ricardo Sasaki, psicoterapeuta, palestrante e professor autorizado na tradição buddhista theravada (Upasaka Dhanapala) e mahayana (Ryuyo Sensei), tradutor, autor e editor de vários livros, com um grande interesse na promoção e desenvolvimento de meios hábeis que colaborem na diminuição real do sofrimento dos seres, principalmente aqueles inspirados nos ensinamentos do Buddha. Dirige o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda e escreve no blog Folhas no Caminho. É também um dos professores do Numi - Núcleo de Mindfulness para o qual escreve regularmente. Para perguntas sobre o buddhismo, estudos em grupo e sugestões para esta coluna, pode ser contactado aqui: biolinky.co/ricardosasaki

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11 Resultados

  1. Val disse:

    Pesquisei koan, árvore, floresta no google porque queria lembrar desse koan e encontrei esse blog. Excelente a sua reflexão. Gostaria de propor também que considerasse a existência do leitor possível (não se sabe ao certo se ele está lá, mas ele pode estar – ou não).
    Aproveito para convidar os inúmeros leitores de blog tão interessante a visitarem meu fotoblog, no qual os textos visam refletir sobre a nossa criança interior, tão importante para mantermos a saúde, a leveza, a alegria, a espontaneidade…
    Seria um prazer receber seus comentários e saber que meu fotoblog existe, rs.
    http://valzen.fotoblog.uol.com.br/index.html

  2. Dhanapala disse:

    Com o Marcelo e o Guttemberg já são 11 leitores existentes das Folhas! Guttemberg tentarei fazer com que as cinco primeiras linhas dos posts sejam interessantes o suficiente para que vc continue a ler o resto e quem sabe continue e participar de vez em quando, ok?

  3. Guttemberg L J disse:

    P.S.: E pelo que escrevi no meu post anterior, é justo que lhe diga: obrigado.

    []’s

  4. Guttemberg L J disse:

    Acho que posso me considerar, convencionalmente falando, um visitante assíduo deste blog… Mas como típico internauta não tenho muita paciência para ler mais de cinco linhas seguidas. Busco palavras espalhada, frases, figuras, coisas que captem meu interesse imediato, e se encontro me detenho numa leitura mais cuidadosa. (Não me culpe, a Internet é virtualmente interminável e o monitor me queima os olhos.) Daí, raramente manifesto minha “existência” – Na verdade isso nunca aconteceu, até agora. Ainda assim, sempre tive estas Folhas como uma fonte de águas frescas que ajudam-me a manter o meu equilíbrio espiritual, moral e talvez, até mesmo, intelectual.

  5. Marcelo Camargos disse:

    Se não existe observador (ouvinte ou leitor), na verdade não importa se a árvore caiu ou não. Mas parece que esta árvore caiu sim. E fez bastante barulho. Até eu (ou não eu) que fico aqui escondido na minha humildade, exercitando a inexistência inerente do meu “ser leitor”, mas deliciado com os textos do nosso nada convencional mestre escritor, manifestei minha opinião pela primeira vez. Abraços…

  6. Dhanapala disse:

    Obrigado a todos pelos comentários. E não tem razão ficar tímido nem desejar respsotas estupidamente brilhantes. “Marcos Polos” modernos trouxeram, por exemplo, o sushi, os eletrônicos avançados, incentivaram a produção de incenso nacional, etc. etc. Quão difícil é isso? 😉 Que coisas em nossa vida são direta ou indiretamente influenciadas pelo oriente?

  7. Anonymous disse:

    Ditado de botequim:

    “Quando a árvore cai, mesmo que homens não ouçam, os pássaros voam”.

    Beto

  8. aparecida disse:

    Oi professor,

    Realmente passei uns dias sem entrar por aqui. Porém sempre leio as folhas, e sempre deixo meu comentário no “Click Comments”. Existo enquanto leitora, e gosto muitíssimo do que você escreve.
    Um abraço

    Aparecida Paiva

  9. Anonymous disse:

    oxente, que braveza…rs, to aqui sim, com uma certa preguiça de comentar, provocar, sei lá…
    a mim,e pensando no meu momento de vida, a resposta a pergunta ai do post abaixo, me pareceu bastante obvia, o que me fez dar um sorriso maroto, e achei desnecessário responde-la.
    claro que gargalhei um bocado tb,
    vai se saber o que o Prof. tinha em
    mente qdo lançou esse desafio…

    acho que tb não respondi alto ops
    escrito,pq o ” como” me fez lembrar dos anos dourados lá da minha infância, das minhas primeiras aulas do antigo grupo escolar, as tais chamadas orais, aquilo era um terror para todos nós
    aprendizes…
    e que vexame qdo não respondiamos o que o Prof. queria, eram dois massacres, do mestre e dos pequenos
    educandos, e de vexame em vexame
    fomos aprendendo a exercitar o erro/acerto.
    sem a ousadia, benevolencia do mestre não seriamos os de hoje.

    valeu o desafio e o que isso tudo
    me provocou…rs

    abção

    ana

  10. Mauricio disse:

    Mea culpa

    Também sou leitor assíduo destas folhas, mas acho que nunca comentei por aqui. Depois do sutil e correto puxão de orelha, procurarei comentar. Nem que seja um reles elogio pra que as árvores continuem caindo e as Folhas “existindo”.

    abraço

  11. Jorge disse:

    Ha, ha, ha…
    Bom, muito boa elucubração…
    Mas vamos lá: sou um leitor assíduo deste blog e, sempre que acho que tenho algo relevante para dizer, o faço! Mas a maioria das vezes eu, ou concordo com o que foi escrito, ou não tenho competência para comentar… e como aqui não é o melhor local para ficar fazendo perguntas…
    Com relação ao último post por exemplo: eu não consegui pensar em nada além do Buddhismo (talvez por uma certa bitolação??!) e achei que seria meio sem graça dizer isso aqui…
    Mas é isso, eu acho que a coisa mais significativa são os ensinamentos mais antigos do Buddhismo tão fielmente preservados nos países do Extremo Oriente.
    Acho que agora eu passei a reexistir convecionalmente (pelo menos?!)