• Sem categoria

Diálogo de Mentes Santas

Uma exibição única de escrita e caligrafia apresenta a sabedoria que transcende tempo e tradições ~ Bangkok Post de 21/10/2010, escrito por Vasana Chinvarakorn.

Os dois nunca se encontraram pessoalmente mas, de algum modo, compartilham insights maravilhosos e semelhantes. A exibição que acontece da escrita à mão de Buddhadasa e da caligrafia do monge zen vietnamita Thich Nhat Hanh é uma rara oportunidade para penetrar nas mentes desses dois homens santos. Embora o ambiente pareça bem simples – com as ‘obras de arte’ de cada um colocadas lado a lado num mural – os visitantes podem querer permanecer um tempo em frente de cada peça individual a fim de apreciar as pinceladas, assim como contemplar sua mensagem espiritual. Desprovidas de desenhos coloridos e complicados, a amostra transborda um senso inexplicável de frescor – mas somente se não nos apressarmos da mesma forma como fazemos em nossas vidas.

Uma exemplo das ‘obras de arte de Buddhadasa e Thich Nhat Hanh com mensagens espirituais – apesar das diferenças na denominação religiosa, ambos compartilham muitos insights que transcendem o tempo e espaço. Ilustrações, uma cortesia de BUDDHADASA INDAPANNO ARCHIVES & PONGKWAN LASSUS/PLUM VILLAGE THAILAND

A amostra é feita para coincidir com a visita de Thich Nhat Hanh à Thailândia (no final deste mês) e o programa é um esforço inteligente de criar uma ponte entre duas grandes tradições do Buddhismo – Theravada e Mahayana. Durante sua vida, o monge reformista Buddhadasa tomou o entendimento interreligioso como uma de suas três missões fundamentais. Suas traduções de alguns sutras mahayanas em thailandês estão entre as primeiras do país, permanecendo como uma introdução clássica aos conceitos do Zen, da vacuidade e do como transcender as formas enquanto mantendo a essência dos ensinamentos do Buddha. A caligrafia em estilo chinês de Thich Nhat Hanh parece incrivelmente simples mas os convites de “Acorde“, “Sorria” e “Respire Meu Caro” giram em torno de uma integração da presença vigilante no viver diário, uma prática universal compartilhada por todas as ramificações do Buddhismo (assim como por várias religiões).

Há também mais alguma coisa por trás do palavreado sucinto, e os curadores voluntários do Plum Village forneceram breves mas iluminadoras explicações, em thailandês e inglês, para cada uma das caligrafias de Thay (‘professor’ em vietnamita). Para uma que diz ‘Desfrute um dia de não-eu‘, um comentário adjacente diz: ‘Isto é para nos ajudar a ver a natureza de não-eu de nós mesmos e do que está à nossa volta. Somos feitos de elementos não-eu. Estamos uns com os outros, não somos um eu separado. Quando formos capazes de ver a interconexão entre nós e outros, sofreremos menos. Quando ainda vemos a separação, continuamos a sofrer‘.

Buddhadasa Bhikkhu

Ou para ‘Sem lama sem lótus‘: ‘Sofrimento e felicidade estão relacionados. Eles inter-são. ‘Sem lama sem lótus’ nos lembra que a felicidade é possível porque existe o sofrimento. Nossa felicidade pode ser verdadeira felicidade quando podemos reconhecer, entender e transformar nosso sofrimento. Se nunca sentimos fome, nunca saberemos a felicidade de ter alimento para comer. Sabemos o quanto o lótus precisa da lama para crescer; também precisamos do sofrimento de modo a nos ajudar a crescer e compreender a verdadeira felicidade e libertação‘.

De forma intrigante, Buddhadasa descobriu algo similar. Em uma nota escrita à mão, o fundador do mosteiro de floresta Suan Mokkh expressou sua gratidão, e mesmo se desculpou, a Mara (o Mal): ‘Não tenho palavras para dizer o quanto lhe agradeço, Mara! Peço desculpas por ter nutrido ódio e raiva contra você no começo. Cada movimento seu foi de fato um benefício para mim. Você me fez compreender meus próprios vícios e de que teria que trabalhar para por um fim neles‘.

Frequentemente os comentários do monge theravada thailandês ajudam a sublinhar o significado latente dos aforismos de sua contraparte vietnamita. Por exemplo, o pedido em uma palavra de Thich Nhat Hanh, “Sorria“, é a observação de Buddhadasa sobre os dois tipos de sorriso – um que ainda está preso às sensações mundanas e o outro que vem da consciência da Nobre Verdade. Ambos também colocam forte ênfase na mensagem buddhista de paz que abrange a não-discriminação e a não-dualidade.

Thich Nhat Hanh

Talvez o melhor exemplo dessa convergência de mentes espirituais é a justaposição do círculo em uma pincelada de Thich Nhat Hanh e o poema de Buddhadasa, parte do qual foi traduzido para o inglês pelo próprio monge:

Faça todos os trabalhos com uma Mente Vazia,

Entregue os frutos para o Vazio;

Alimente-se dos depósitos do Vazio,

Morra desde o Começo.

Por debaixo de sua aparente imagem austera, as notas pessoais de Buddhadasa regularmente revelam aqui e ali seu senso de humor pontual (que é ainda mais evidente na série de fotografias branco e preto do monge, complementadas por seus poemas de dharma que foram reimpressas num grande número de livros e calendários). Em uma é sugerida a possibilidade de encontrar a felicidade a cada momento, mesmo quando se está no banheiro. Um conjunto de ‘axiomas improvisados’ compartilha suas visões ecléticas sobre os modos peculiares do mundo, como quando a política motivada pelo egoísmo se impinge num assim chamado bárbaro de forma a ser tão ridícula que ele explode em riso até quebrar seus dentes, ou como alguns humanos são irracionalmente temerosos de fantasmas que não conseguem nem aterrorizar cachorros e vermes. Embora a seleção de caligrafias para esta exibição não mostre muito do lado não-tão-sério do mestre zen, há vislumbres de seu humor gentil tacitamente presente num grupo de ditos descomplicados.

A fim de apreciar a beleza estética e espiritual da exibição, se deveria gastar um tempo contemplando cada peça individual desenhada ou escrita pelos dois mestres.

Passeando pelos pares de notas e pinceladas de Buddhadasa e Thich Nhat Hanh, sentimos que de alguma forma os dois provavelmente se engajaram em uma ‘conversação’ amigável por longo tempo, uma conversa que coloca de lado a cor de seus mantos ou a escolha da linguagem que adotaram como um veículo do dharma.

Aparentemente, tal diálogo continua vivo e bem, e agora convida mais e mais pessoas para fazerem parte dele.

‘A Escrita do Dharma’ acontece até 31 de Outubro nos Buddhadasa Indapanno Archives, dentro do Wachirabenchatat Park, Chatuchak, Bangkok. Telefone 02-936-2800 ou visite http://www.bia.or.th ou http://www.thaiplumvillage.org.

tradução para o português: Dhanapala

dhanapala

Este é o blog pessoal de Ricardo Sasaki, psicoterapeuta, palestrante e professor autorizado na tradição buddhista theravada (Upasaka Dhanapala) e mahayana (Ryuyo Sensei), tradutor, autor e editor de vários livros, com um grande interesse na promoção e desenvolvimento de meios hábeis que colaborem na diminuição real do sofrimento dos seres, principalmente aqueles inspirados nos ensinamentos do Buddha. Dirige o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda e escreve no blog Folhas no Caminho. É também um dos professores do Numi - Núcleo de Mindfulness para o qual escreve regularmente. Para perguntas sobre o buddhismo, estudos em grupo e sugestões para esta coluna, pode ser contactado aqui: biolinky.co/ricardosasaki

Você pode gostar...

2 Resultados

  1. Alfredo disse:

    Fico até emocionado de ver Budadasa e thit Nat Han, sendo reverenciados juntos. Sempre achei o ensinamento dos 6 sentidos do Budadasa muito parecido com o do Thit Nat Han. E tenho praticado os dois, mesmo sendo de linhagens de lugares diversos

    abçs

  2. Paulo Celso disse:

    Simples, profundo e com sutilezas que só os sábios detêm.
    Obrigado por compartilhar
    abraços