Uma das coisas que se pensa geralmente é de que o crescimento do Buddhismo no Brasil está por demais atrelado às colônias japonesas e chinesas. Isto torna difícil o acesso aos brasileiros, que sentem como se devessem se orientalizar, ou mesmo aprender uma língua para penetrar no Buddhismo ou se sentirem buddhistas. Pensa-se também que os centros deveriam divulgar mais, promover mais, quem sabe até evangelizar. Discordo em certa medida de que o crescimento do Buddhismo seja dependente disso. O Rio Grande do Sul e Minas Gerais não possuem nenhuma forte comunidade nipônica (é possível andar semanas pelas ruas de Belo Horizonte sem encontrar nenhum ‘olho puxado’) e obviamente ambos os lugares possuem uma presença de vários centros buddhistas. Não sei dizer se existe expansão ou diminuição do Buddhismo no Rio de Janeiro, mas obviamente também não possui uma forte influência nipônica. Sobra o Paraná e São Paulo. Templos com influência nipônica existentes são os da Terra Pura, que como bem lembra o Rev. Haku-shin, diminuem cada vez mais em termos de população nipônica. A tendência é a velha geração de japoneses morrer, enquanto os jovens descendentes não se interessam por Buddhismo, resultando nos templos serem gradualmente abandonados. Mas os outros centros em ambos os estados surgiram completamente sem relação com a existência ou não de japoneses ou chineses.
Parece-me que SP/capital tem mais centros simplesmente porque é maior, e seria logicamente esperado que os tivesse. É mais uma questão de proporcionalidade ao tamanho populacional do que necessidade de influência asiática. Creio que devemos buscar outros motivos para não se ter tantos centros em outras partes do Brasil. A resposta para isso nem é tão difícil, basta ver como os centros buddhistas existentes surgiram e então veremos porque não surgiram em outras partes.
Quanto à falta de informações, os sites brasileiros são conhecidos como provendo muita informação (até mais do que um único indivíduo possa assimilar). Muitos dos sites são bem didáticos. Para quem procura (e aí entramos no ponto difícil de lidar em meio a uma população que não sabe procurar nem discernir) não é assim tão difícil penetrar no mundo buddhista. Para dar exemplos, o Nalanda já há um número de anos provê uma rede de apoio e suporte a grupos que queiram se estabelecer em outras cidades interessados nos ensinamentos antigos, prática segundo o cânon antigo e Theravada. Creio que alguns grupos de Buddhismo Tibetano fazem o mesmo. A comunidade zen de Florianópolis também começou recentemente uma rede de apoio a grupos zen.
Minha opinião pessoal, vinda de observação, é que não são as oportunidades ou divulgação que faltam, mas a resposta é para ser procurada do outro lado da linha: o costume brasileiro de querer tudo mastigado e entregue via delivery na porta de casa; o jeitinho brasileiro em querer contornar rotas normais e encontrar atalhos; a preguiça do famoso Jeca Tatu, a forte influência cristã em cidades do norte/nordeste e interiores de todos os estados que intimida potenciais interessados em sair a procura de uma via buddhista sentindo-se ‘pecadores’; a baixa expansão de meios como internet em tais lugares; a vontade de ter coisas prontas sem precisar sacrificios de treinamento e estudo (como mencionei, basta ver como os centros existentes surgiram), etc., etc.
No novo artigo que apareceu hoje no site brasileiro de Ajahn Buddhadasa, chamado “Unidade na Diversidade“, e que conta um pouco da amizade entre Tan Ajahn e um grande amigo muçulmano, este diz das dificuldades de ir visitar o mestre:
“Nós tivemos que pegar um trem de Bangkok e chegamos em Chaiya às 4:00h da manhã. Phra Kuang e eu tivemos que esperar na estação até estar claro o suficiente. Então caminhamos através dos campos e florestas. Era a estação chuvosa, e de vez em quando tinhamos que atravessar águas chegando até a nossos peitos. Mas eu nunca pensei em desistir.”
“Eu costumava subir o Phu Kradueng em Loei quando ainda era uma selva. Aquilo era realmente difícil – mas no topo das colinas, o ar fresco e puro me fazia sentir como se eu estivesse em outro mundo, e todo o cansaço ia embora.”
“Eu tive que caminhar muito tempo antes que alcançasse Suan Mokkh, mas não me sentia nada cansado. Eu fui confortado pelo pensamento de que eu iria obter um discernimento do Dhamma de um monge cujas idéias eram muito diferentes do que eu tinha ouvido, como se as dele pertencessem a um outro mundo”.
No final das contas, podemos nos perguntar se é o Buddhismo que deve se abrir e difundir, ou se são as pessoas interessadas que devem se levantar de suas poltronas. Já escrevi sobre isso, aliás, em “O Que Se Fazer Quando Se Está Só“. Se não há pessoas interessadas, ativas e dispostas, não seria questão de perguntar para quê então deveria o Buddhismo existir no Brasil? Existe uma idéia comum que diz que onde não há mérito o Dharma não se estabelece. Eu não gosto da palavra “mérito”, mas a idéia por trás me parece verdadeira. Se não há um jarro, para quê despejar água no chão? O Dharma só é necessário porque existem pessoas interessadas nele. Abrir e difundir o Buddhismo só para que o “Buddhismo” continue existindo, é fazer do “Buddhismo” uma entidade merecedora de existência própria, independente de para quem ele se dirige.
Pois é Luide. Meu artigo original está em inglês, e o problema atual é encontrar tempo para traduzi-lo e postar uns pedaços. Mas com o tempo vai.. 🙂
Olá. No final de Novembro de 2007 foi publicado aqui um post cujo título era “7 Desafios para o Buddhismo”, onde o primeiro desafio foi apresentado. Tenho curiosidade de me informar quanto aos seis outros desafios…
Concordo completamente contigo Rafael. Obrigado pela visita!
Professor, saudações!!
Os ocidentais que acham que precisam aprender um idioma estrangeiro para se dedicar ao Budismo e se sentirem budistas, ainda que profundamente equivocados, estão a um passo a frente da pior situação mental, que é justamente não se dar a chance de recepcionar o Dharma devido a ser coisa “daquele-lado-de lá do mundo”.
E foi isto na verdade que eu queria levantar. Quem já está até estudando uma língua, ou a cultura de um outro país (no caso oriental), ainda que irrelevante por si só, ao estudo do Budismo, mesmo assim, já está se dando a chance de conhecer, não está em um estado de mente pernicioso que é o preconceito.
Abraços professor.Parabéns pelo blog. E pelo trabalho em nome do Budismo. Tens um irmão aqui.
Aqui é Rafael Tages, da lista de discussao. ([email protected])
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