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Schwartsman e a “missão civilizatória” da China

Num dos comentários de Sidney Liberal chama Dalai Lama de macaco, o leitor Guta faz uma boa reflexão sobre a necessidade de equilíbrio, e cita como exemplo o artigo de Hélio Schwartsman, mais um articulista da Folha (lembram do Aldo Pereira, não?). O equilíbrio é sempre bem-vindo. Entretanto, o artigo de Hélio Schwartsman parece cometer uma série de enganos para alcançar esse “equilíbrio”. Hélio diz que há uma ‘unanimidade planetária‘ em torno do “caso da independência tibetana“, entretanto, há décadas o próprio Dalai Lama diz que não espera independência mas ‘autonomia’. O “caso da independência tibetana” é justamente o argumento falso que o governo chinês tenta vender.

Eu tampouco não vejo nenhum comentário pró-Tibet caracterizando o povo chinês de que “chineses sejam bandidos desalmados“. Isso não tem sentido, e seria um absurdo caraterizar um quinto da população da terra a partir do que um governo faz. A crítica é ao governo e suas ações, nunca ao povo. E isso sempre é tornado claro em todas as manifestações pró-Tibet que já vi. Por que então o Hélio traz isso à discussão?

A afirmação do Sr. Hélio de que o Dalai Lama “chegou a ser o monarca de uma teocracia absolutista” é ridicula, pois em 1951 ele tinha 16 anos! O que um menino de 16 anos colocado numa posição política poderia fazer. O Sr. Hélio realmente acredita que ele tinha realmente algum poder de decisão?? O que o Sr. Hélio deve julgar, isso sim, é se desde 1951 o Dalai Lama emitiu uma palavra a favor da instalação de um regime semelhante ou pior que o governo chinês impõe às suas colônias. A informação de que o PIB, população e salários aumentaram na região tibetana – que ele menciona como justificativa da presença chinesa – são novamente ridículos e descontextualizados. Sim, os salários e o PIB aumentou, mas é preciso explicitar para quem esses salários aumentaram. A população tb aumentou, sim, mas a chinesa! enquanto a tibetana diminui e empobrece. Que modo de pensar mais tortuoso!

Sua afirmação de que “A China também criou toda a rede de ensino secular” é cômica, quando se sabe que o que se ensina são valores chineses, e que é proibido se ensinar tibetano ou cultura tibetana. Tibetanos que querem aprender sua língua precisam fugir para a Índia! É isso que o Sr. Hélio sugere como avanço de educação? Privar um povo até de sua língua?

Hélio é ingênuo quando diz “Pelo menos no mundo da diplomacia, o “statu quo” não é contestado“, como se o que os diplomatas aceitassem pudesse servir de valor absoluto. Mais ingênuo ainda, o que é surpreendente para um filósofo (mas já vimos o caso de Slavoj Zizek, não?) quando diz que “Os chineses já cumpriram sua missão civilizatória ao quebrar o sistema teocrático e de servidão“. Como que a morte de 70 milhões pelo regime maoísta, a tortura, o assassinato regular, os julgamentos sem advogados de defesa, a escravidão das fábricas chinesas, etc, podem ser chamadas em sã consciência de “missão civilizatória”!!?? Como que a opressão e a violência chegam a ser justificados como “missão civilizatória”?

Sim, precisamos de visões equilibradas, e é interessante ver como que em assuntos que se tornam dicotomizados na mídia atual as posições e raciocínios de médicos, filósofos e articulistas se revelam com maior clareza à medida que o tempo avança e são levados a emitir opiniões.

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2 comentários em “Schwartsman e a “missão civilizatória” da China”

  1. A princípio considerei que o artigo de Schwartsman oferecesse uma visão mais sóbria da situação China-Tibet (e em relação aos outros dois textos comentados aqui talvez realmente seja), mas neste post você apontou claramente que em vários momentos o artigo em questão falha exatamente naquilo a que se propõe: oferecer uma visão racional dos fatos. No final, Schwartsman acaba, na verdade, reverberando as idéias propagadas pela China para justificar a dominação.

    E isso me alerta do cuidado que devemos ter com a mídia.

    No entanto, ainda em nome do equilíbrio, acho válido colocar em enfoque um aspecto que me parece estar presente nos textos aqui criticados. Em todos eles vemos uma crítica ao regime tibetano que imperou até a invasão Chinesa. Esta crítica vai na contra-mão da tendência atual na qual as pessoas imaginam o Tibet como um verdadeiro paraíso invadido. Ao menos esta percepção dos articulistas parece-me acertada pois, ao que tudo indica, a sociedade tibetana vivia num regime feudal aos moldes da idade média européia, com todas as injustiças inerentes a este sistema. Mas evidentemente isso não justifica a invasão chinesa. Da mesma forma, a ditadura de Sadam Hussein não justifica a invasão americana. E acredito que seja aí que os articulistas falham, ao seguirem ingenuamente o raciocínio: Eles são atrasados, logo, merecem dominados.

    Outro aspecto que acho merecer um olhar mais cuidadoso é a separação entre governo e povo. Realmente tenho visto em todas as manifestações noticiadas que a crítica é contra o governo chinês e suas atitudes e não contra o povo. Sinceramente, e por favor corrija-me se eu estiver errado, não vejo como separar um povo de seu governo. Acredito que uma coisa alimente a outra. Ao meu ver, as atitudes de um governo são a confluência das ideologias do povo governado. Do mesmo modo, a decisão do governo brasileiro em apoiar a China é apenas um eco do fato da maioria dos brasileiros não dar a mínima para o que ocorre no outro lado do mundo, desde quê não nos afete. Mas, se por um lado, devemos reconhecer a responsabilidade do povo chinês como o todo (da mesma forma que devemos reconhecer a nossa com relação às atitudes do governo brasileiro) não devemos focar nossas críticas em indivíduos, grupos de indivíduos, ou mesmo nas instituições e sim, apenas nas ações dos mesmos.

    Espero não ter sido prolixo demais. 😉

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