Pular para o conteúdo

Buddhismo e Alucinógenos

Vários anos atrás fui participar de um retiro aqui no Brasil que, para minha surpresa, terminou com uma festa com Santo Daime e muita vodka. Disso resultaram algumas coisas: 1.uma decepção com a situação do Buddhismo no Brasil, 2.alguns problemas com a comunidade em questão, e 3.um artigo que escrevi sobre o tema dos alucinógenos em sua relação com o Buddhismo. Tal artigo, que teve o curioso duplo efeito de provocar as desculpas do ‘monge’ que dirigia o retiro na época e a recusa de uma revista buddhista brasileira em publicar o artigo, foi propositadamente escrito de um ponto de vista tanto da vertente Theravada quanto Mahayana, pois o que me foi dito na época, quando levantei objeções à propriedade de usar alucinógenos no Buddhismo, foi que por eu seguir o Buddhismo Theravada, eu não podia criticar nada Mahayana, pois “Um tico-tico não pode compreender o caminho de um cisne, nem um coelho pode seguir as pegadas de um elefante“.

Infelizmente, tanto a posição de que pessoas que seguem o “Mahayana” estão acima de qualquer crítica (mesmo que suas ações sejam contrárias ao próprio Mahayana), quanto a idéia de que alucinógenos seriam permissíveis dentro ou fora de um mosteiro ou prática espiritual, continuam presentes em certos cantos da comunidade buddhista brasileira, mesmo depois de passados quase vinte anos desde o tal ‘retiro’. É como se estivéssemos de volta ao Buddhismo norte-americano dos anos 60 e sua contracultura.

Vale a pena então, aqui, reafirmar que o uso de qualquer alucinógeno, legalizado ou não, não tem qualquer base em nenhuma corrente do Buddhismo, de qualquer linhagem que seja, e fazer uso, propagar ou levar outros a usá-los, em nome de um ‘ecumenismo’ new-age ou de uma suposta atitude descompromissada e simpática que se queira dar ao Buddhismo, não apenas equivale a uma quebra de preceitos em todas as linhagens mas também a uma incompreensão de para quê serve o Buddhismo ou do porquê o Buddha instituiu sua disciplina.

Basta algum estudo sério das doutrinas buddhistas ou dos escritos dos grandes mestres, de qualquer tradição, para ver claramente isso, e seria lamentável que mais uma vez aqui no Brasil o Buddhismo começasse a ser relacionado com práticas que nada tem a ver com ele. Essa irresponsabilidade, muito facilmente disseminada pela mídia e tachada como ‘atitude buddhista’, só pode levar a mais confusões para os praticantes brasileiros, já suficientemente confusos por tantas incompreensões, deturpações e abusos.

Se não mantivermos fortemente os preceitos para ajudarmos uns aos outros, não poderemos viver, e o Caminho do Bodhisattva tornar-se-á um sonho. Assim, para um Bodhisattva, a manutenção dos preceitos é necessária sob todas as formas…” – Seikan Hasegawa

Mais visões:
Budismo e Alucinógenos
Onde Está a sua Mente?

Marcações:

16 comentários em “Buddhismo e Alucinógenos”

  1. Que contradição essa, um retiro, imagino que em busca da verdade, e uma celebração em busca da ilusão.

    Antes do budismo aparecer em minha vida participei de um ritual com o santo daime. Para mim foi um choque (alem de ter sido uma experiencia frustrante) ao final dos rituais, ver o uso indiscriminado de maconha. Achei tudo tao incoerente… ainda que divinizem a maconha a chamando de santa maria, droga é droga. E sabemos bem os caminhos que percorreram para chegar ate aquele local (trafico, armas, exploracao, etc).

    Obrigado por compartilhar seus nobres pensamentos e historias conosco professor.

    Um grande abraço

  2. Saudações desde Portugal.

    Penso quem tenta conciliar drogas ou alcool com a via octupla não entende a o porquê dos preceitos nem o efeito que os estados mentais alterados podem ter na nossa mente.

    No meu entendimento as drogas são incompativeis com a pratica budista porque impedem o desenvolvimento da atenção, da concentração, e da atitude mental correcta. As drogas levam a mente a focar-se no mundo sensual, aumentando o desejo por sensações prazenteiras.

    O efeito desse desejo é a perpetuação da existência e o adiar da libertação.

    Com Metta.

    Rui Sousa

  3. Parabéns ao professor pelos comentários.
    Inflelizmente a busca pelapaz interior ainda está muito ligada ao consumo de alucinígenos, chamados de enteógenos pelos adeptos do chá de ayahuasca.
    Muitos falam ainda de alteração de consciência, como se a sociedade atual fossem aindas os anos 60. Pois estes já aconteceram e as conseqüências de todas as suas buscas desenfreadas pelo abrir as tais portas da percepção já vieram à tona há várias gerações. Portanto, resta a quem busca uma paz verdadeira, iluminação, luz, força e sabedoria eocntrá-los dentro do seu prórpio ser, sem necesidade de nada que altere sua mente. Sejamos lúcidos e conscientes. Não prcisamos nos drogar, mas, mas sim respirar. O que os adeptos dos alucinógenos ainda não perceberam foi que respirações e meditação são mais intensos e profundos do que qualquer tipo de droga, legalizada ou não.
    Parabéns à postura de todos que se manifestaram contrários à esta infeliz postura tanto de alguns budistas.
    Saudações de paz.
    Namastê.
    Ana

  4. Interessante a colocação da Ana… mas por um lado, o que aquelas pessoas estavam fazendo era justamente “aplicar” o que elas pensavam ser budismo. O fato narrado ocorreu num retiro! Então, eu penso que o “óbvio ululante” não era (e ainda parece que não é, pelo que vi num depoimento feito aqui) tão óbvio assim! Penso que o que falta é justamente mais estudo e reflexão. Essa falta é o único motivo que eu penso justificar a gente sair seguindo qualquer “guru” que aparece com propostas de “abrir as portas da percepção” e chamar isso de Buddhismo. Como se Buddhismo fosse uma questão de “abrir portas” mais do que de compreender o funcionamento destas portas; mais de experimentar êxtases do que de compreender a real natureza destes êxtases; mais de “ver a beleza da vida” do que compreender a real natureza da existência… Ou seja, eu acho que o que falta mesmo é estudo, conhecimento, reflexão para que estes óbvios absurdos não ocorram mais.

  5. alguém disse por ai:

    ” quebra de preceitos”.

    bem isso é o obvio ululante, como diria NR.

    creio que a reflexão deva ser mais profunda…o que isso implica p/mim? ( autor da arte) e para os meus proximos? para os não conhecidos, mas que simpatizam com o Budismo em geral? Para os “inimigos” declarados ao não do budismo? Como isso pode ou vai ser usado, no médio/longo prazo? E para a coletividade maior ( macro)?
    Creio que são tantas questões que cada um de nós( figura publica ou não) pode e se deve fazer antes de
    ” atitudes fashion”…
    Mais o mais importante, e aproveitando o espaço: é que percebo que falta mais ” budismo aplicado” do que filosofia/metafisica, ou msm
    a históriografia do budismo que tem lá sua importancia, mas que não podem ser mais importantes que
    pensar, falar, reaprender uma outra forma de funcionamento mental
    e que só o ” budismo aplicado” pode dar. É isso que falta no budismo brasileiro em geral, ” budismo aplicado” ou seja releituras dos ensinamentos via pratica no já ( aqui e agora).

    Menos filosofia e mais ” budismo aplicado” para todos nós, em todas
    as escolas. Do contrário vamos continuar a ver esses absurdos no
    budismo brasileiro…

    ana

  6. Texto bastante interessante.

    Em minha leitura, liga-se a algumas fragilidades que afetam o budismo no Brasil, entre elas,

    – confundir tolerância com permissividade,

    – desconhecimento básico dos preceitos,

    – confundir não-proselitismo com desleixo e relaxamento doutrinário,

    – descompromisso, resultado de uma atitude “self-service espiritual” tolerada e, às vezes, incentivada, quer seja por razões mercadológicas, quer seja pelo desleixo doutrinário confundido com o não-proselitismo.

    Bem, fazia um certo tempo que não visitava as Folhas.

    Foi bom voltar e ler um texto tão bom.

    Paulo

  7. Acredito que SE o uso de iluminógenos, quero dizer, de alucinógenos dentro do contexto buddhista é correto, também é correto o entendimento incorreto.

    Agora, como o correto e o incorreto podem ser uma só e a mesma coisa, isso é algo que só podem nos explicar os doutores da lógica, quando, após “bebericarem em excesso” (nada contra), alcançarem as alturas das “intenções não-duais”.

    Mas como diz Ajaan Thanissaro: “Nem todas as boas intenções são particularmente hábeis. Apesar das intenções pretenderem ser boas, elas podem ser equivocadas…”

    Já um estudioso do Budismo Tibetano, Alan Wallace, diz em um livro: “Não existe um ponto tão avançado no qual podemos abandonar a ética”.

    Os cinco preceitos não são o primeiro passo da ética? Suponho, portanto, que ser o primeiro passo não implique seu abandono após dado, até mesmo, o “passo final” (Fica essa última frase para os que gostam de pensar não-dualisticamente).

  8. mais uma questão que creio pertinente no caso em questão.

    qdo se torna uma pessoa pública a responsabilidade vem em dobro, não
    só consigo e os proximos, mas vai
    se saber qtas gerações poderão ser
    influenciadas por tal postura.

    creio que as palavras no meio do texto: contracultura, budismo norte-americano, anos 60 são bastante reveladoras.

    Admiro sua coragem em levantar essas questões e quiça possa haver
    reflexões mais contundentes.

    ana

    PS: as minhas fichas só caem a noite …hehehehe

  9. Ricardo,

    O seu texto chegou para mim como uma vasilha de água fresca… Estava muito incomodado com a posição de monges,praticantes e comunidades buddhistas a respeito do uso da ayuahasca,colocando esta prática como um beneficio para o “despertar” da mente através de visões,”estado de paz”,etc.Está havendo uma verdadeira deturpação dos ensinamentos do Buddha,uma total falta de visão crítica a respeito do uso deste alucinógeno(tudo bem,dizerem q. não é!)e falta de conhecimento dos Preceitos.
    Nada tenho contra o uso como rito religioso de algumas seitas,mas querer colocar isto como fazendo parte de um sincretismo religioso e buddhista, já é demais!!

    Grato como sempre,pela sua clareza !!

    Fabiano

  10. É, esse tema ja deve ter passado na cabeça de muita gente, tanto aquela cervejinha amiga quanto aqueles stresses maiores e muitos outros exemplos, fogem as recomendações do Buddha. Sempre oportuno sua rememoração, que cada um analise por si próprio.

    abçs

  11. desculpe, a frase:

    “”Infelizmente, tanto a posição de que pessoas que seguem o “Mahayana” estão acima de qualquer crítica (mesmo que suas ações sejam contrárias ao próprio Mahayana),…””

  12. hummmmmm essa frase em questão me fez fazer algumas associações com
    tantos outros aspectos ( não só o
    tema tratado) o que não deixa de
    ser um certo alento em continuar
    com a minha postura e olhar, frente
    a tudo…

    é por essas ou outras que continuo
    passando por aqui e mantenho minha
    admiração silenciosa pelo Prof. Sasaki.

    Gassho

    ana

  13. Amigos, a tradição do Zen, não importa que acontecimentos tenham havido no passado é clara:

    Do texto de Robert Aitken Roshi sobre os preceitos de ordenação leiga e monástica no Zen:

    5. Not Giving or Taking Drugs.
    Bodhidharma: Self-nature is subtle and mysterious. In the realm of the intrinsically pure Dharma, not giving rise to delusions is called the Precept of Not Giving or Taking Drugs.
    Dogen Zenji: Drugs are not brought in yet. Don’t let them invade. That is the great light.

  14. Ricardo-sensei, o aplaudo em pé. Independente do que um mestre, monge, lama diga ou faça, o que prevalece é o exemplo de Buddha. Ele usou drogas para atingir a Iluminação? NÃO! Nos preceitos (Vinaya) drogas estão liberadas? NÃO. Logo, isto está fora da prática budista. Se alguém quer usar,o karma é de cada um, mas que não venha dizer que está alinhado com a prática budista. Gassho. Shaku Hondaku

Não é possível comentar.