Em 12 de abril de 1992, quando a primeira Dhammayietra começou, o que se esperava era andar em solidariedade com aqueles refugiados cambojanos que estavam retornando para suas casas vindos da Thailândia, pela primeira vez em vinte anos. Representantes das Nações Unidas, o Khmer Vermelho e representantes do governo thailandês, entre outros, se opuseram à iniciativa. O maior obstáculo, entretanto, era as minas terrestres enterradas no chão desde os anos 70. Qualquer obstáculo que os andarilhos enfrentassem, no entanto, era equilibrado pela gratidão do povo cambojano que era encontrado ao longo da caminhada – até mesmo membros do Khmer Vermelho. Os norte-americanos Elizabeth Bernstein e Bob Maat, que estavam na caminhada, tiveram suas reflexões documentadas por Santidhammo assim:
Tão cedo quanto 4 da manhã, na cidade ou no campo, famílias esperavam fora de suas casas com um balde de água, velas e incensos. À medida que monges e monjas passavam dois a dois, em fila, eles abençoavam as pessoas e a água, com palavras de paz: “Que a paz esteja em seus corações, família, vilarejo e nosso país”. Em retorno, muitos andarilhos tinham seus pés lavados por aqueles que esperavam ao longo da estrada, desejando-nos o bem em nossa jornada: “Que seus pés estejam tão frescos quanto esta água”.
Enquanto os andarilhos passavam, soldados do Khmer Vermelho e forças governamentais depunham suas armas ao lado da estrada e pediam pelas bênçãos de Maha Ghosananda, expressando seus terror pela guerra e sincero desejo pela paz: “Não queremos que ninguém seja morto ou ferido”, disse um soldado. “Apesar de ser um soldado, não tenho malevolência em meu coração”.
Em um vilarejo onde um massacre de trinta pessoas havia ocorrido recentemente, o povo do vilarejo deu boas-vindas aos caminhantes e um homem disse: “Esta é a primeira vez que ousamos nos reunir novamente em um grupo grande. Simplesmente não podíamos deixar de vir. Todos estão aqui. O mercado está fechado e o povo deixou seus empregos para recebê-los. Somos gratos que vocês vieram para nos ajudar a encontrar a paz novamente. Os monges e monjas devem nos liderar para fora desta confusão de matarmos uns aos outros Se apenas pensamos em matança e vingança, isso nunca terminará. O Buddhismo deve nos guiar”.
Em sua declaração “Um Exército de Paz”, que pode ser encontrada na publicação de 1992 de Ghosananda, “Passo a Passo: Meditações sobre a Sabedoria e a Compaixão” (Parallax Press, com edição brasileira de Edições Nalanda, 1995), ele começa dizendo: “A história está sendo feita. Quatro exércitos estão colocando suas armas no chão. Quatro facções estão se unindo para governar. Estamos todos caminhando juntos“. Infelizmente, a história feita por Ghosananda e os andarilhos cambojanos da paz frequentemente não aparece nas notícias do Washington Post, New York Times, etc. O que somos levados a ler são aquelas histórias pesadamente moldadas pela luta armada e pela dominação política. A tentação, à luz dessa realidade, é cair no desespero ou desejar que Ghosananda, falecido em 2007, ainda estivesse conosco. A isso, imagino que Ghosananda teria dito algo assim, como frequentemente o fazia: “A paz é possível, apenas o faça passo a passo!“
© escrito por Anna Brown, Waging Nonviolence
© traduzido por Dhanapala sob permissão da autora
O artigo inteiro pode ser encontrado em: http://ghosananda.nalanda.org.br
Nota: Para conhecer mais sobre a história do Camboja nesse período negro e os ensinamentos de Maha Ghosananda, confiram “Passo a Passo“.