Incrível como dois anos fazem nos esquecer de como a Índia pode ser deliciosamente caótica, onde tudo parece ter inúmeras chances de não dar certo e, ainda assim, surpreendentemente, dar certo no final. Por entre a patética pobreza, a hipocrisia política, o caos organizacional que a tudo permeia, horizontes ao mesmo tempo penetrados por vislumbres de genuína gentileza, sorrisos singelos e uma simplicidade quase sempre involuntária mas que ainda assim se mostra contente consigo mesma, nos faz refletir sobre nosso destino, em que medida devemos empreender açoes focadas e dirigidas que o possam influenciar ou se mais sábio é esperar que a vida simplesmente se desdobre a nossa frente, sabedora de melhores soluçoes para nossos caminhos, sem expectativas ou promessas.
A doutrina buddhista do karma nos falaria claramente que esse destino é dependente de nossas açoes. Como pensamos e como agimos influencia marcantemente aquilo que iremos experienciar no futuro. Esperar que as coisas aconteçam parece indicar o caminho da indolencia, do comodismo, da preguiça. Por outro lado, as açoes podem ser tão motivadas pelos desejos e ambiçoes do ego; mesmo aquelas aparentemente boas podem trazer consigo as tendencias subjacentes que podem acabar por dobrar a realidade na direçao de uma vida mais cobiçosa, ambiciosa ou simplesmente ignorante. Agir ou não agir, influenciar e marcar a vontade ou submeter-se ao que acontece, assim como o antigo ser ou não ser, é uma daquelas questoes existenciais que não são resolvidas pelo discurso das teorias. Aqui, como em tantos outros lugares, o caminho do meio proposto pelo Buddha entra como importante medida para reflexao. Não se trata de meia açao ou meia vontade, mas, antes, de uma intençao que possa ser gentil o suficiente para não impor sua vontade sobre a realidade de formas que a realidade a rejeite. Cada situaçao pede por uma forma apropriada de agir e muito desse treinamento consiste em se tornar sensível o suficiente para perceber isso. Muito o que aprender, sempre.
Minha primeira vez por aqui foi há 23 anos. Ainda hoje encontro pessoas que conheci naquela época, e nas regulares visitas a cada dois ou tres anos desde entao, vai nascendo o acompanhamento das vidas, das açoes e dos destinos. Uns pararam no tempo. Alguns prosperaram, outros pelo contrário. Tristezas e sorrisos nas mortes e nos reencontros. É singular observar vidas a partir da perspectiva do tempo. Dá-nos alimento para refletir sobre nossa própria vida, nossas decisoes, imposiçoes e acomodaçoes, as quais, de uma forma ou de outra, nos levaram a chegar até aqui…
pois eh, jorge, pois eh…viver eh por vezes complicado…
Obrigada pelas palavras e pelo despertarrrrr!!! G
Reflexões assim fermentam um sentimento multifacetado em mim: há a estupefação diante da complexidade que é o nosso, por tanto tempo óbvio, viver o mundo; há um medo diante do reconhecimento progressivo do emaranhado; há a fascinação crescente por sentir que alguém (o Buddha) parece, cada vez mais, ter razão sobre a possibilidade do escape…
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