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Atravessando Bihar

E eis que cheguei bem em Bodhgaya, lugar da Iluminaçao do Buddha. Geralmente chego por outras rotas, mas dessa vez, por causa do fog de Delhi, acabei vindo via Patna. Foi sorte que o voo para Patna nao atrasou muito, so uma hora em comparacao ao destino de outros:


Passei a noite em Patna na boa companhia de um professor daqui, e de lá direto para cá. Apesar das situaçoes não serem novas em si, para o entretenimento dos leitores das Folhas aí vai uma descriçao sucinta do trajeto. Ela dará uma idéia do que esperar de uma visita a Índia… Depois de um café da manha de poori, sabji e omelete de queijo, e de passar toda a manha por alguns setores governamentais da cidade, resolvi optar pela opçao onibus para a jornada. Fiz claramente a pergunta tres vezes: “É o onibus turismo e não o regular, certo?” Tres respostas afirmativas foram o resultado, ainda complementadas pela explicaçao precisa de que sairia as 14hs e chegaria as 18hs. Quatro horas num onibus confortável, nada mau!

Hora atual: 13h30. Ainda sem almoço me encontro no saguao de um hotel governamental bem próximo. Será que dá tempo de comer algo? No bolso algumas notas de 500 rúpias (cerca de 19 reais). O que voces acham? Vale arriscar? Entro no restaurante do hotel. Escolho algo que julgo ser rápido de fazerem, mas logo surge a dúvida vinda da experiencia: Eles vao ter troco para 500? Ok, a nenhum de vcs ocorreria entrar num restaurante no Brasil e pensar se teriam troco para uma nota de 20 reais, certo? Pois… o restaurante me informa que não tem como trocar. Mas se não posso usar a nota de 500 como vou fazer o pedido? A face silenciosa da atendente demonstra que isso não é um problema ‘dela’. O tempo passa e rapidamente já estou no saguao do hotel. ‘Ei, podem trocar essa nota de 500?’. ‘Sorry, Sir, its not possible…’

14h05 saía o onibus, obviamente do tipo mais regular possível, o que significa que é daquela espécie que jamais seria permitida trafegar em qualquer rua ou estrada brasileira, nem mesmo no sertao. Assentos apertados, soltos, portas que não fecham, vidros que batem, sem espaço suficiente para malas (nem para pernas), e que para pegar é preciso levantar o cap e mexer alguma coisa lá dentro com uma alavanca retirada de baixo de um dos assentos.

E vamos nóis para horas a fio acompanhados da música interminável das buzinas. Nossas buzinas, buzinas dos vizinhos, buzinas de todos os tipos, alcances e tonalidades. Incansáveis e incessantes. ‘Horn Please’ é a frase mais lida na parte de trás de todos os automóveis daqui, isso qualquer um que já tenha visitado o país pode assegurar. Minha impressao é de que a buzina aqui não é usada apenas para avisar que ‘se você não sair da frente eu vou te atropelar certamente’, ou ‘menino olha pra trás senao sua mae fica sem filho’, mas buzinar é parte da arte da comunicaçao. Quando estou sozinho ou não tenho qualquer necessidade de buzinar, buzino também, só pra dizer, ‘ei pessoal, cheguei, estou aqui, tudo bem com voces?’

Como é de se esperar de qualquer companhia de onibus, na ‘metade’ da jornada, ou seja, duas horas depois, tivemos uma parada. Finalmente o desejado toilet, os homens pensaram certamente. Eis uma foto exclusiva do toilet da parada, para o deleite naturista dos leitores das Folhas:


Fica claro aqui porque as mulheres presentes no onibus não tiveram a mesma reaçao alegre ao perceberem a parada. Enfim, hora de reabastecer com chai (chá), docinhos, ou mesmo almoçar um bom prato de chapatis, dhal e sabji para os corajosos e imunes. Fico apenas com o chai. Delicioso, forte e suculento como somente os cantinhos mais sujinhos e as panelas mais aversas a um bom banho podem proporcionar. Acreditem, não há melhor chai do que nos locais aparentemente menos indicados para ingerir qualquer coisa. É simplesmente divino.


Que a parada chegou ao fim é anunciado, claro, com uma buzina. E lá vamos nóis novamente por entre caminhoes, carros, tuktuks, búfalos e bicicletas cruzando as estradas esburacadas cuja largura equivale a uma de nossas pistas, mas que podem comportar surpreendentemente tres carros ao mesmo tempo. Não me perguntem como isso é possível, mas é verdade! Passamos por incontáveis campos de plantaçoes, crianças brincando, bodes pastando (ou seja lá o que for que os bodes e cabras fazem), cidadezinhas com suas bancas de docinhos de leite empilhados nas vitrines, suas lojas de sapatos, barbeiros ao ar livre, frutas e couve-flores vendidos sobre o paninho sujo na beira da estrada, tudo aquilo que é delicioso de ver na Índia.

As 18hs, como seria de se esperar, não estamos nem perto do dito destino. Já vimos passar tres passeatas e já paramos duas vezes num trevo para ver o trem passar, literalmente. O sol nos brinda com seu por, e nós o brindamos com nosso olhar. É bom estar aqui. Muito bom.


19h30 é quando chegamos. Cinco horas e meia numa relíquia ambulante e barulhenta, sem almoço e com apenas duas xicrinhas de chai na barriga, atravessando a zona rural da regiao mais pobre do país. Nao é para fazer todos os dias, mas há poucas experiencias que eu trocaria por esta.

Marcações:

6 comentários em “Atravessando Bihar”

  1. A natureza é bela, belo relato, de certo nos faz sentir bem a vontade. E bom saber de sua escapada dos terroristas no dia da India. Vi em pali. Este conhecimento é “Muccitu-kamyata-nana” (de conhecimento ou insight decorrentes do desejo de escapar.

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