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A corrida de ratos

Fundamental:

Nas trincheiras diárias da vida adulta, não há tal coisa como ateísmo. Todos adoram. A única escolha que temos é o que adoramos. Um notável motivo para escolhermos algum tipo de deus ou coisa do tipo espiritual para adorar – seja Jesus Cristo ou Allá, seja Yahweh, a deusa mãe wiccan, as Quatro Nobres Verdades ou ainda algum conjunto intangível de princípios éticos – é que quase qualquer outra coisa que você venha a adorar irá lhe comer vivo.

Se você adorar dinheiro e coisas – se eles forem aquilo em que você investe o real significado na vida – então você nunca terá o suficiente. Nunca sentirá ter o suficiente. Adore seu próprio corpo, beleza e charme sexual e você sempre se sentirá feio, e quando o tempo e a idade começarem a se mostrar, você morrerá um milhão de mortes antes de finalmente acabar… Adore o poder – você se sentirá fraco e temeroso, e precisará ainda mais de poder sobre os outros para mantê-lo seguro. Adore seu intelecto, ser visto como alguém esperto – você acabará se sentindo estúpido, uma fraude, sempre na beira de ser descoberto.

A coisa traiçoeira de todas essas formas de adoração não é que sejam maléficas ou pecaminosas; é que são configurações default. Elas são o tipo de adoração nas quais você gradualmente escorrega, dia após dia, se tornando cada vez mais seletivo sobre aquilo que vê e como mede o valor, sem nunca estar realmente alerta ao que está fazendo. E o mundo não irá desencorajá-lo por operar nas configurações default porque o mundo dos homens, dinheiro e poder se movimenta muito prazerosamente com o combustível do medo, do desprezo, da frustração, do desejo sedento e da adoração ao eu…

O tipo realmente importante de liberdade envolve atenção, consciência, disciplina, esforço e ser realmente capaz de se importar com outras pessoas e se sacrificar por elas, sempre e sempre, em míriades de formas não sexys, todos os dias. Essa é a real liberdade. A alternativa é a inconsciência, a configuração default, a ‘corrida de ratos’ – o sentido do mascar constante sobre algo infinito que se teve e se perdeu”.

–David Foster Wallace, numa palestras Kenyon College

Marcações:

8 comentários em “A corrida de ratos”

  1. Deve haver um contexto no qual este trecho ganhe um sentido menos “estranho”, para usar uma expressão suave…
    Explico.
    Abre com uma frase de efeito cujo efeito piora conforme é desenvolvida no parágrafo, impondo algumas questões pitorescas: ateísmo não é “coisa de adulto”, não é coisa de gente madura? ateísmo é equivocadamente igualado a materialismo estrito? ao nos tornarmos “adultos” só temos duas escolhas, adorar “verdades” espirituais ou ao materialismo estrito e consumista? ele rebaixa as quatro nobres verdades ao mesmo nível de deus? se princípios éticos não são “intangíveis” eles não são forças opositoras ao materialismo estrito e consumista?…
    O segundo parágrafo expõe noções comuns a nós, buddhistas. Mas me recuso a fazer parte da dicotomia composta no primeiro…

  2. Deve haver um contexto em que este trecho está inserido, só assim para não parecer tão “estranho” (para usar uma expressão suave…).
    Explico.
    Já começa com uma frase de efeito que piora o efeito pelos imbróglios que surgem ao desenvolver tal frase: ateísmo é coisa de gente imatura, “não adulta”? Ao nos tornarmos “adultos” só temos duas escolhas – o materialismo estrito (que o texto parece equivocadamente igualar a ateísmo) ou a adoração de “verdades” espirituais? O texto rebaixa as quatro nobres verdades ao mesmo nível de deus? Princípios éticos, se não forem “intangíveis” também acabam por nos “devorar”?
    O segundo parágrafo repete noções familiares a nós, buddhistas. Mas me recuso a pertencer à dicotomia esdrúxula que o primeiro compõe…

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