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Tiririca

Tiririca

Tiririca ser o deputado federal mais votado do Brasil, um dos 4 países emergentes do ‘futuro’ poderio mundial, não é uma surpresa. Tiririca ser eleito por um povo que faz escolhas ignorantes constantes há anos é apenas um retrato da ‘pátria amada, Brasil’, uma fotografia do que já acontece na mentalidade brasileira faz muito tempo; Brasil que há muito, não importando se classe rica ou pobre, educada ou analfabeta, escolhe que seus melhores modelos sejam atores (e há tantos tipos de atores e estrelas!).

No país da máscara e da afetação, o que importa é o show, o quanto você se esforça para aparecer – se através de deslealdades, traições, nudez, corrupção ou baixaria, isso não importa – , o que importa é ser show, aparecer na mídia o mais possível, pois isso é o que tem valor. Não importa, no final, se em falta de decoro um governante faz uso de seu tempo e salário públicos, destinados a governar um país, para angariar votos para seu partido; não importa que você tenha que tirar a roupa, xingar ou ser desleal, desde que possa aparecer constantemente no BBB ou A Fazenda; não importa qual o crime que você cometa, uma vez que é motivo de orgulho para o bandido aparecer no Zero Hora ou qualquer ‘se torcer o jornal sai sangue’. No final, o denominador comum aqui é o show.

Num país que é conhecido pelo Carnaval, Futebol e Criminalidade (são as únicas coisas que perguntam lá fora sobre nós do Brasil), esse trio tem mais em comum do que imaginamos. O valor está no show, na fantasia, na ilusão, mesmo que dure pouco. E não satisfeitos com a duração, estendemos o Carnaval para muito mais dias e ocasiões, comentamos futebol todos os dias na tv, rádio, jornais; e os criminosos se esmeram, na favela e no congresso, para ver quem aparece mais na mídia. Pouco importa para nós a natureza oca das estrelas carnavalescas, a vida imoral dos jogadores ou o passado vendido dos políticos. Eles aparecem? São estrelas? Então comentamos, apoiamos, votamos.

E quando nosso mais popular presidente, que 80% da população imagina ser um ótimo governante – apesar de ser constantemente cego e afirmar-se inconsciente de todos os escândalos que o rodeiam –  critica a mídia por uma cobertura pouco imparcial – provando aliás que aqueles que criticam um governo são sempre burros e irresponsáveis quando nós somos o governo, mas quando nós é que estamos na oposição, a mídia que nos critica é sempre fantoche do status quo –  não podemos mais que concordar com ele. A mídia, sim, é parcial.

A mídia é parcial, não porque revela os fatos verídicos e desagradáveis de nossos políticos (todos eles) e de nosso corrupto sistema de três poderes (que mais parecem com três beatas fofoqueiras que apóiam umas às outras), mas porque em nome da venda e da forma mais baixa de comércio, incentiva o show. É a mesma mídia que faz reportagens tão ‘sérias e responsáveis’ que também glorifica as novelas, os artistas, a fofoca institucionalizada, o criminoso na primeira página. É a mídia que dedica 95% de seu tempo no rádio, tv, internet e jornais ao que há de pior ou de mais frívolo na sociedade com a desculpa de que com isso mostra o Brasil real. Quando a mídia critica o governo ou seus opositores, a força motriz continua sendo a venda. Não vende falar do bem praticado, das pessoas com valores, da beleza não comprável. São os sistemas de informação que realmente controlam e manipulam. Tanto faz quem esteja no poder.

A mídia transformou os shows de ‘realidade’ em ‘Brasil real’, onde criminosos sendo perseguidos e policiais tornados heróis são degustados pela massa; acidentes automobilísticos são eventos sangrentos e tornados shows desejáveis; palhaçadas políticas e retratos de políticos comprados e vendidos são estampados nos jornais e objetos de comédia; e a superficialidade bestializante das novelas, com seus atores que dão opiniões sobre tudo, torporificam a consciência enebriando a todos com um mundo vazio e pobre de real significado. Por que nos importa tanto saber a opinião de um artista sobre qualquer assunto? Sua opinião é tão válida quanto a de um médico comentando sobre arqueologia ou a de um cabeleireiro falando sobre filosofia grega (ou de um filósofo falando de moda e estilo de cabelo…). Mas para nós é importante. Quem aparece e dá show é importante. Esse é o Tiririca mais votado.

Não é para a falta de dedo de um político que devemos apontar (oops) ou para um palhaço ser eleito (um dentro muitos…), mas para a ausência de coração em nossos modelos. Devemos apontar é para a falta de decoro e compostura de toda uma sociedade que – por imensa influência da mídia, para a qual pouco importa quem faz sucesso ou quem está no poder, desde que consiga vender seu produto – escolheu a idolatria à máscara e ao show; que escolheu definir ‘sucesso’ como o escancarar da ambição do ego; uma sociedade que não importa se classe A ou Z, tem os mesmos valores no fundo, onde o amor ao saber (filo-sofia) se transformou em saber de sexo e sedução; onde arte se transformou em exibicionismo; onde a lei da liberdade se tornou a liberdade da lei, a arbitrariedade da vontade de quem manda e a legalidade da opinião de quem é estrela.

Não foram só ex-jogadores, fantoches, ídolos glorificados pela mídia, homens e mulheres de gravata e terno, personagens construídos em alguns meses, estrelas populares e populistas, ladrões e palhaços, que foram eleitos nessa eleição. Foram eleitos nossos valores, aquilo que dia a dia consideramos importante; valores que nutrimos, glorificamos e passamos aos nossos filhos. Foi só uma fotografia do que já se passa em cada um de nós, nada além.

11 comentários em “Tiririca”

  1. Comecei a visitar esse blog faz pouco tempo, mas tudo que eu li até agora é de uma lucidez de fazer “inveja” a todos nós brasileiros.
    Muito grata.

    Gasshô.
    Rosana.

  2. Fico pensando, exercendo o meu direito ao devaneio, se o Tiririca não acaba ainda se destacando por fazer alguma coisa lá…
    Os trechos em que o prof. fala da mídia e da “honestidade” dos políticos EM GERAL se comprova (mais uma vez, como se fosse preciso!) pelos recentes da campanha presidencial! Dois assuntos sérios, religiosidade e aborto, sendo utilizados de forma torpe e estúpida pelos “finalistas” deste nosso BBB que virou tudo o que nos chega via mídia! A capa da semana de uma das revistas semanais mais citadas e respeitadas (putz!) do país é de dar vergonha em qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico! E tem gente (muita!) que embarca nisso estufando o peito e clamando em defesa da ética e da liberdade!
    Um versinho do Renato Russo (tenho andado meio Peter Pan além da conta por estes tempos) fica ressoando na minha cabeça…
    “longe dessa confusão
    e dessa gente que não se respeita
    tenho quase certeza
    que eu não sou daqui…”

  3. Da forma como escreve faz parecer que esse é um problema que aflige apenas o Brasil, o que não é verdade. Política sempre foi, acima de tudo, um exercício de progaganda, não de honestidade. “Pão e circo” é uma receita que simplesmente funciona.

    Lembro que Lula não é celebrado apenas em solo brasileiro. Como Obama disse: ele é o cara.

    No caso específico do Tiririca, sua votação expessiva foi muito mais motivada pela desesperança do que pela exposição do mesmo na mídia. (Tanto que outras subcelebridades, como a Mulher Pêra e Netinho, não foram eleitas.) A maioria das pessoas votaram nele pela sua honestidade cortante e debochada aliada à descrença com relação a todo o sistema político. Como ele mesmo disse: (sic) Vote em mim, pior do que tá não fica.

  4. Não é só no Brasil. Sinto que o mesmo acontece em Portugal e… no mundo inteiro!
    Belo texto. Sentido. Muito obrigada, Ricardo.
    Abç, cristina.

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