Um primeiro ponto que chama a atenção é que nestes três países citados predomina uma forma particular de Buddhismo, que tem suas origens por volta do primeiro século d.C., e que recebe o nome genérico de Mahayana. Este nome, de abrangência extremamente larga, inclui textos e escolas surgidas em regiões e épocas muito diferentes. No tocante às escolas, elas incluem tanto aquelas autóctones da Índia, quanto aquelas surgidas séculos mais tarde em países como China, Japão, Tibete, Vietnam, Java, etc. No tocante a textos, eles se classificam desde os protomahayanas, textos seminais que começam a ser escritos por volta do ano 100 a.C., até produções que se estendem, sob diversas inspirações, por vários séculos seguintes e originárias igualmente de diversas regiões da Índia e países vizinhos.
Apesar desta tão grande diversidade e, na verdade, a partir dela, creio ser possível singularizar algumas características dentro do movimento Mahayana que podem justificar, e foram de fato utilizadas para tanto no decorrer de sua história, o tirar a vida dentro do contexto religioso desse movimento. Para isso realçarei dois pontos nessa exposição:
1. O surgimento de uma forma extremada de Sunyavada após o segundo século d.C.
2. A expansão da doutrina dos bodhisattvas
¥¥¥
1. O surgimento de uma forma extremada de Sunyavada
A doutrina de que todas as coisas são impermanentes e desprovidas de uma realidade substancial, em outras palavras, de que as coisas são vazias de substrato permanente, não é algo novo no Buddhismo, estando presente no cânon antigo e, portanto, nas várias escolas buddhistas dos primeiros séculos. A vacuidade ou vazio foi algo ensinado explicitamente pelo Buddha, presente por todo o cânon e, como o resto de seus ensinamentos, amplamente conhecido e divulgado. Isso, porém, não faz com que este ensinamento seja menos difícil de ser digerido. Embora público, a massa da população buddhista, incluindo aí também muitos monges e monjas, geralmente sempre considerou que é mais fácil a compreensão e prática dos preceitos morais, das virtudes sociais e alguns exercícios mais simples de meditação. Doutrinas como da Cooriginação Dependente, do Vazio dos dharmas, dos Três Lakhanas, dos Modos e Planos de Consciência, etc., eram deixados para serem tratados de preferência por aqueles poucos que tinham a inclinação e o tempo para tratarem de temas mais profundos.
O incômodo com certas doutrinas mais abstrusas, o vazio dos dharmas em particular, não deixou de se manifestar de forma concreta no meio buddhista. Após alguns séculos da morte do Buddha, grupos começaram a surgir aqui e ali propondo emendas e interpretações que visavam de variadas formas lidar com o incômodo causado pela doutrina do vazio. Uma das formas foi propor que as várias “coisas” (uma tradução extremamente rude para “dharmas”, mas que no entanto tem uma abrangência conveniente) tinham em si um certo princípio transcendente e universal não explicitado pelo Buddha (uma forma de doutrina docética e transcendentalista); outra forma foi propor uma certa continuidade entre os dharmas do passado, presente e futuro, garantindo, assim, uma não queda num niilismo (uma forma de doutrina pan-realista); ainda outra forma foi propor um tipo de “pessoa” (pudgala) que não seria a mesma que os agregados (khandhas), mas também não seria inteiramente diferente (uma forma de doutrina personalista).
Este artigo continua…