Enquanto, porém, que a diferença entre Buddha e Arahant fosse apenas aquela entre mestre iniciador do caminho e discípulo iluminado (como constava do cânon), ambos entretanto com o mesmo grau de libertação, não se poderia propor um caminho gradual de desenvolvimento das virtudes ao longo de várias vidas, pois o caminho para se chegar ao estado de Buddha seria o mesmo que aquele para o atingimento do estado de Arahant.
Este período, então, vê o desenvolvimento de uma idealização da figura do Buddha, que irá aumentar cada vez mais no decorrer dos séculos até torná-lo numa figura completamente transcendental. Algumas escolas surgirão com especial ênfase nesses aspectos. Na verdade, diferentes escolas irão se distinguir justamente pelo grau de afastamento entre as definições de Buddha e Arahant. Almejar ser um bodhisattva e durante muitas e muitas vidas ir desenvolvendo gradualmente as virtudes passava a ser um caminho viável, além de menos árduo do que lidar com a cessação das impurezas mentais e o desenvolvimento da sabedoria nessa mesma vida, como o Buddha do cânon antigo incessantemente pregava.
A partir de então, estas duas vias (a do Arahant e agora a do Bodhisattva) estiveram presentes, com os seguidores buddhistas claramente conscientes de que o caminho do bodhisattva era um caminho para raríssimos (apenas para aqueles almejando se tornarem ‘Buddhas Supremos’ e, assim, poderem ajudar os seres de forma imensa), mas, curiosamente, menos exigente para a vida atual. A noção de caminho indicado pelo próprio Buddha, de outro lado, era o de se desenvolver as virtudes e a sabedoria na medida adequada para o atingimento da libertação (tornando-se Arahants). Durante todo esse processo se poderia, é claro, ajudar os seres da forma apropriada, e ainda mais depois de completado. Essas duas vias não foram uma criação do movimento Mahāyāna, mas estavam presentes numa época pré-Mahāyāna em várias escolas antigas, inclusive na Theravāda. Com o passar do tempo, entretanto, o caminho mais lento e gradual do Bodhisattva passou a ser cada vez mais estimado.
No Bodhirājakumara Sutta, por exemplo, quando perguntado pelo príncipe Bodhi quanto tempo alguém levaria para atingir a iluminação, caso encontrasse um Tathāgata que o instruísse, o Buddha apresenta sua resposta frequente de que possuindo tais e quais qualidades seria possível a um aluno dedicado completar o caminho em sete anos ou menos (uma posição que é a norma dentro do cânon antigo, irrespectivamente de pertencente a qual escola). Esse tipo de resposta é a antítese daquela que será dada nas novas doutrinas que farão uso crescente de um modelo de bodhisattva como o ser que escolhe o caminho longo do desenvolvimento imensurável das virtudes (pāramīs), nas quais jamais teremos o Buddha incentivando alguém a se iluminar rapidamente pois implicaria num fracasso no longo caminho do bodhisattva. Este deveria não apenas retardar sua iluminação, mas ainda, ajudar a todos os seres sencientes a se iluminarem antes dele, como aparecerá em algumas doutrinas posteriores. Todo o sentido de urgência (saṁvega) na realização desaparece. O tradicional verso “Appevanāmimassa kevalassa dukkhakkhandhassa antakiriyā paññāyethāti” (‘Possamos nós, nesta própria vida, completar a extinção de todas essa massa de sofrimento’) deixa de ter sentido.
A carreira do bodhisattva passou a implicar, dessa forma, um caminho diferente daquele ensinado pelo Buddha, pois para desenvolver as virtudes (pāramīs) no grau necessário para se tornar um Buddha supremo e dotado de inimagináveis qualidades transcendentais, um bodhisattva não poderia se iluminar imediatamente (ou seja, como discípulo do Buddha Sakyamuni). O caminho do bodhisattva deveria ser não o caminho que o Buddha ensinou, mas daquilo que o Buddha teria feito para atingir sua Iluminação. É um caminho para muito poucos, apenas para aqueles dispostos a cultivar as virtudes num grau extremo durante incontáveis eras. Mas ao mesmo tempo era um caminho para muitos, pois qualquer um poderia dar um pequeno passo agora mesmo. Esta doutrina está acompanhada de uma outra, a de que não há o surgimento de um novo Buddha enquanto que o ensinamento do anterior ainda esteja aberto. Escolher o curso do bodhisattva implica assim que não haverá iluminação para aquele ser enquanto que o Buddhismo do Buddha Sakyamuni existir e puder ser praticado.
continua…