Por Ajahn Brahm*
Na vida, as coisas desagradáveis acontecem. Acontecem com todos. A única diferença entre uma pessoa feliz e uma que fica deprimida é como elas reagem aos desastres.Uma experiência traumática na vida é como um caminhão cheio de excremento que despeja uma generosa carga na frente da sua casa quando você não está.
Nesse caso, temos três as coisas a compreender: nós não solicitamos a carga. Então dizemos, “Por que eu?” Ficamos perplexos com a coisa. Ninguém, nem mesmo nosso melhor amigo, pode tirar aquilo de lá (apesar de ele poder tentar). Aquilo é tão horrível, destrói de tal maneira nossa felicidade, que a dor invade toda nossa vida. É quase impossível de suportar.
Existem duas maneiras de reagir à carga de excremento.
A primeira é carregá-lo conosco.
Colocamos algum excremento nos nossos bolsos, na bolsa e um pouco na camisa. Então descobrimos que quando carregamos aquela coisa mal-cheirosa conosco, perdemos nossos amigos! Mesmo os melhores amigos serão menos presentes. Além disso, a carga de excremento não diminui, mas o cheiro ainda piora a medida que ele envelhece…
“Carregar consigo o excremento” é uma metáfora para o cair em depressão, negatividade ou raiva. Felizmente, existe um segundo caso.
Podemos suspirar e então começar a trabalhar.
Com uma pá e carrinho de mão começamos a cavar o excremento e, levando ele até o fundo de casa, adubamos o jardim. É um trabalho cansativo e difícil, mas sabemos que não há outra opção. Há dias em que tudo que conseguimos fazer é encher meio carrinho. Mas estamos fazendo algo sobre o problema, no lugar de nos afligirmos e ficarmos deprimidos.
Dia após dia nós trabalhamos e o monte vai diminuindo. Demora, às vezes vários anos, mas chega uma manhã em que notamos que toda a carga de excremento que estava na frente da nossa casa se foi. Além disso, aconteceu um milagre em outra parte da nossa casa: nosso jardim está forte e vigoroso.
“Cavar o excremento” é uma metáfora para receber as tragédias como um fertilizante para a vida. É um trabalho que todos temos que fazer sozinhos: ninguém pode nos ajudar nisso. Mas levando-o até o jardim do nosso coração, dia após dia, a pilha de excremento diminui.
Então, em uma determinada manhã, não encontramos mais dor na nossa vida e no nosso coração. Um milagre ocorreu: as flores da bondade estão florindo por todo lado e a fragrância do amor espalha-se pela nossa rua, chega aos vizinhos, aos conhecidos e mesmo aos transeuntes.
Também lá, num canto do jardim, nossa árvore da sabedoria curva-se até nós, carregada pelo peso de doces insights sobre a natureza da vida. Partilhamos livre e espontaneamente esses frutos deliciosos, mesmo com os desconhecidos. Quando já conhecemos a dor da tragédia, aprendemos sua lição e cultivamos nosso jardim, então podemos abraçar os outros que estão em intensa tragédia e dizer, docemente, “Eu sei.”
A compaixão então se inicia. Mas se ainda não cultivamos nosso jardim, isso não pode ser feito.
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*do livro “Opening the Door of Your Heart and Other Buddhist Tales of Happiness”, Ajahn Brahm, lançado em nov/06. Originariamente publicado no site do Nalanda em Curitiba
fonte: Bangkok Post Oct 29, 2006 – www.buddhistchannel.tv
Que texto belíssimo :)gasshô e um sorriso
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