Um problema de considerar o Buddha (ou os vários Buddhas) apenas como um arquétipo de perfeição ou um ideal abstrato sem um correspondente humano na terra é destituir o Buddha de uma de suas qualificações, aquele de avalista (paṭibhū). Certamente cada um de nós tem a livre escolha de optar pela visão que achar mais útil para si. Uma questão diferente, porém, é o que os antigos praticantes e mestres da tradição buddhista pensam a esse respeito. Apesar de, influenciados pela psicologia moderna, parecer para nós mais “palatável” ver os Buddhas como ‘arquétipos’, fazendo com que nos relacionemos mais com uma abstrata ‘natureza de Buddha em nós’ do que com um exemplo a ser seguido, é a existência de alguém que efetivamente trilhou o caminho e atingiu a Iluminação que dá aquele aspecto de segurança de que também podemos fazê-lo. Podemos colocar nosso esforço e dedicação no caminho porque o Buddha ‘garante’ o investimento. Ele é o avalista que dá a garantia do sucesso do praticante, caso este ‘invista’ da maneira como foi instruído, razão pela qual é fundamental efetivamente conhecer as formas de investimento (o caminho óctuplo em todas as suas dimensões).
Isso é o que permite entender porque, na concepção canônica mais antiga, um Buddha nunca foi pensado como sendo um deus na mesma modalidade das divindades hindus. Ele era humano e por sua dedicação alcançou a libertação. E é precisamente devido a isso que pode nos dar a garantia, a mesma que alguém que trilhou um caminho e chegou a um destino pode certificar para os outros que seguem pela estrada de que o destino é alcançável e bem à frente. Daí ser dito: “Foi para gerar a determinação da parte dos bhikkhus que o Bem-Aventurado colocou a si mesmo como segurança” (It-a, 40). Ao reconhecer apenas uma vaga ‘natureza de Buddha’, o suposto caminhante priva-se primeiro do exemplo e do avalista e, consequentemente, priva-se também do treinamento. O Buddha, como é enfatizado constantemente, é o treinador incomparável dos homens capazes de serem guiados. Ao ignorar o treinador perde-se também o treinamento; e então o caminhante passa a ser apenas um andarilho errante, indo ora para esta ora para aquela direção, seguindo conforme seus gostos e desgostos pessoais, na firme ilusão de que é mestre de si mesmo e de ninguém precisa, pois pode encontrar por si mesmo sua ‘natureza de Buddha’.