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Radicalismo e Superficialismo Religioso

Nas últimas décadas temos visto o crescimento assustador do radicalismo religioso por todos os cantos do planeta. Grupos cristãos se envolvem cada vez mais com a política nos países ocidentais formando bancadas cada vez mais majoritárias com o poder de proposições e vetos baseados na “ditadura da maioria”. Ao mesmo tempo grupos cristãos continuam o avanço missionário agressivo no oriente, não muito diferente daquele já iniciado nos tempos coloniais. Radicais muçulmanos são notícias diárias por sua violência e imposição forçada de costumes culturais e regionais de séculos passados. Nem mesmo o Buddhismo, comumente considerado uma religião das mais pacíficas escapa de ter seus grupos radicais, fazendo uso de número e apoio político para a agressão e intimidação de minorias religiosas e étnicas em seus países de origem. Tudo isso é conhecido e amplamente discutido.

Um lado da mesma questão que é, porém, raramente discutido é a contrapartida da radicalização religiosa encenada por todos aqueles que não são “radicais”. O que acontece com estes que criticam os radicais religiosos? Suas características poderiam nos ajudar a entender a própria radicalização em nossos tempos? Do outro lado dos fundamentalistas religiosos encontram-se basicamente três grupos: 1. Os indiferentes; 2. Os ateus e agnósticos; 3. Os espiritualistas.

Os indiferentes

Essa classe de pessoas, entediada pelas discussões filosóficas e religiosas, se constitui na maioria da população, uma maioria que não se interessa em pensar, se engajar ou se comprometer com absolutamente nada além da busca autoindulgente de seus próprios prazeres e sonolência mental. Por sua indiferença e falta de compromisso ela mesma se torna um solo fértil para o surgimento do radicalismo naqueles que se tornam revoltados pela mesmice do dia a dia. O radical religioso em potencial anseia por um sentido para sua vida, uma saída da passividade e falta de idealismo que percebe ao seu redor.

Os ateus e agnósticos

Os ateus e agnósticos, cujo crescimento se deve frequentemente ao próprio obscurantismo das instituições religiosas, são indivíduos engajados que resolveram reagir não apenas à negligência dos indiferentes, mas principalmente ao avanço do literalismo religioso. Diante dos absurdos propostos pelos radicais religiosos e de uma longa história de guerras, cruzadas, ocultação, contradição, privilégios, etc. por parte das instituições religiosas, este grupo, o mais comumente, se alia à perspectiva científica para “provar” a falsidade de todas as religiões, e não é incomum que a forma como alguns de seus membros se apegam à ciência apresente traços muito parecidos com os do grupo de radicais religiosos que eles próprios querem combater. Como a perspectiva científica é baseada na experimentação ela é constantemente mutável, o que faz com que aqueles que escolham utilizar a ciência moderna como sua base argumentativa tenham que mudar seus argumentos a cada geração de cientistas. Mas talvez o ponto cego mais forte no posicionamento ateu/agnóstico seja que ao se radicalizar em seu ataque às religiões ele perceba nelas apenas o que os próprios radicais religiosos também percebam, ou seja, a interpretação literalista e superficial das doutrinas religiosas. Ao invés de tentar entender a fundo o conteúdo metafórico, imagético, simbólico, psicológico e anagógico das doutrinas religiosas, muitos jogam o bebê junto com a água suja do banho.

Os espiritualistas

E, então, chegamos aos espiritualistas. Esses não são indiferentes ao fenômeno religioso como o são os componentes de nosso primeiro grupo, ainda que muitos compartilhem com eles o desinteresse por qualquer compromisso formal com um caminho na religião. Esses são os que se consideram ‘espiritualistas’, que se desiludiram com suas experiências passadas nas religiões institucionais, mas que ainda nutrem um anseio por algo maior que a mesmice cotidiana de seus contemporâneos. Os espiritualistas não são também como os ateus e agnósticos em sua cruzada por desbancar o conjunto das religiões, ainda que compartilhem com eles a valorização da “experiência”. Enquanto que alguns espiritualistas possam ser muito engajados nas práticas e crenças que desposaram um traço é frequente encontrar em comum com os espiritualistas não engajados, aqueles de livros de cabeceira. Esse traço é certa indiferença em se aprofundar realmente. Eles fazem vários cursos, leem vários livros, praticam muitas ‘técnicas’ variadas, mas pouco se aprofundam em qualquer uma dessas coisas individualmente. A excitação vem da própria multiplicação incessante de novas experiências, cursos e pessoas encontradas, o que dá a sensação de que estão se aprofundando em seu caminho.

Há certa falácia aqui, a ilusão de que é possível uma real compreensão (base para o aprofundamento em qualquer coisa) a partir da coleta de experiências, como se o acúmulo de fatos particulares pudesse fazer surgir por si mesmos uma compreensão do universal. As experiências aqui são sensações, sentimentos, prazeres táteis que as técnicas e vivências em que se engajam lhes trazem. A ilusão está em crer que tais coisas são fontes de conhecimento real, crer que vivências surgidas de meios materiais ou psíquicos tenham um significado universal e verdadeiro embutido em si mesmas. Tais espiritualistas a partir dessa crença tornam-se buscadores de sensações, almejam por ‘sentir’ energias, contatar uma brisa etérea subjacente em suas próprias imaginações.

Os radicais religiosos, indiferentes, ateus e espiritualistas não são tão diferentes assim. São todos eles facetas de um mundo onde princípios foram perdidos. Uns buscam o sentido na interpretação literalista e, portanto, simplória das doutrinas religiosas. Outros se interessam pela mesmice cotidiana, mantendo a mente simplória em qualquer ocasião. Outros simplificam as doutrinas religiosas a fim de poderem criticá-las com os dados mutantes daquilo que entendem por verdade científica. E finalmente os últimos simplificam e aplainam todos os cumes e vales das doutrinas religiosas mais profundas a fim de se adequarem à sua própria noção de espiritualidade, uma versão simplificada do caminho espiritual que idealiza o valor de experiências pessoais e emoções particulares, e que assim se conforma à sua própria ausência de estamina espiritual. A existência de cada um sustenta o aparecimento e fortalecimento do outro, como diferentes tipos de yins e yangs que apesar de diferentes mostram opostos se tornando a base para o surgimento de seus extremos companheiros.