Meditar é como ir para a praia! |
Grande parte das pessoas atualmente se aproxima do Dhamma/Dharma, e especificamente da meditação, em busca de sensações agradáveis. Essa intenção por trás da busca é, em minha experiência, o principal motivo porque as pessoas desistem da meditação, trocam de professores, descontentam-se com as práticas que antes faziam. Ainda, quanto mais idealizaram, idolatraram e deram importância aos aspectos que lhes davam algum tipo de prazer e satisfação (crescendo seu eu), maior o tombo, em outras palavras, maior a violência da rejeição posterior, maior decepção pelo ‘produto’ entregue não ser o que esperavam (segundo o que imaginavam que fosse).
Tsem Tulku Rinpoche, nesse mesmo compasso, disse: “O Dharma não é fácil de ouvir… porque algumas pessoas o tomam como crítica. Mas o Dharma não deveria ser apenas ‘sentir-se bem’ num momento, mas deveria servir para contemplações mais profundas”. O Dharma verdadeiro necessariamente apresentará uma série de pedras no caminho do estudante. Não poderia ser diferente, uma vez que seu objeto é transformar, e transformar é incomodar. A resposta do estudante a esses incômodos diante do caminho revelará, para o caminho e para ele mesmo (se for um pouco consciente) sua preparação, ou falta dela, para continuar cursando no caminho dos nobres ancestrais.
Então, ele quer prazer e satisfação contínuos, numa sequência interminável de experiências que confirmem o quanto ele é um maravilhoso praticante; ou quer realmente aprender algo? Ao tratar a vida no Dharma da mesma forma como lida com sua vida no mundo – buscando sensações agradáveis e fugindo das desagradáveis – o ingênuo se engana de duas maneiras: ao ignorar a natureza do caminho que se pensou capacitado a trilhar, e ao ignorar a força das próprias tendências internas para a cobiça, a arrogância e a ilusão. Não sabendo como é o caminho ele o trilha pensando que é como o idealizou. Não conhecendo a si mesmo, o orgulho o impede de ver que não era o seu melhor a trilhar o caminho, mas apenas seu desejo por satisfação e reconhecimento.
Na busca por paz e beleza, o estudante sério deve, assim, cuidar para que o estado interior encontrado não seja tão belo e tão pacífico demais, pois, dependendo da quantidade de cobiça e orgulho presentes, ele pode representar apenas o desvio cômodo do não pensar e do não transformar.
Um problema que se junta a essa situação é que para o praticante isolado, entregue às suas próprias ideias e concepções, e não sujeito à ordenação natural obtida do contato com professores e estudantes próximos, tudo isso pode durar um longo tempo. Ele pode, mesmo, passar anos sob a ilusão de que o caminho é para encontrar flores perfumadas. Nas palavras sábias de Dzongsar Khyentse Rinpoche: “É um tamanho engano crer que a prática do Dharma ajudará a nos acalmar e seguir para uma vida sem perturbações; nada poderia estar mais distante da verdade. Dharma não é terapia. Bem o oposto, de fato, dharma é construído especificamente para colocar sua vida de cabeça para baixo – é aquilo para o que você se inscreveu”.
Porém, os dois enganos mencionados acima impedem que o ingênuo leia o contrato. Ele assina sem ler, e quando o contrato é cobrado, ele se revolta, ou nas palavras do Buddha: “Ele se entristece, se aflige e lamenta, ele chora batendo em seu peito e se consterna”. Essa revolta e decepção são semelhantes à situação de alguém que vai dirigir um caminhão numa estrada sem ler a placa “Altura máxima permitida” que fica presa às pontes. Talvez haja uma quantidade máxima de orgulho a partir da qual o treinamento se torne inviável. Aqui, parece essencial ter claro para quem é o Dharma. O aluno ideal, segundo os suttas/sūtras, é aquele que é fácil de receber conselhos.
Nas palavras de Richard Shankman: “Antes de empreender qualquer coisa é preciso entender o que queremos fazer e porquê. Isso é especialmente verdadeiro para empreendimentos de grandes consequências, como a prática do Dharma, que tem o poder de remodelar nossas vidas de forma radical. As práticas contemplativas buddhistas desafiam nossas suposições mais fundamentais sobre nós mesmos, nossa experiência e a relação que temos com o mundo ao nosso redor”. Ou seja, se sua prática do Dharma não está desafiando algumas de suas posições, é porque talvez sua prática esteja apenas sendo água com açúcar, uma forma de se sentir “espiritual” sem estar fazendo nada realmente….