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Quão naturais são seus desejos?

Quão naturais são seus desejos-ricardo-sasaki

Nossa visão comum é de que nossos desejos são naturais, que nossos gostos e desgostos nascem conosco e, portanto, nada podemos fazer a respeito deles. Se um desejo específico nos causa problemas, a partir dessa noção, somente nos resta lutar contra ele, suprimi-lo. Nossa vida, então, passa a ser um campo de batalha entre a “voz de nossa consciência moral” e nossos desejos maus, provenientes das zonas obscuras e instintivas lá das profundezas! Tal fricção constante entre o que vemos como certo e o que desejamos só existe, no entanto, a partir dessa noção da ‘naturalidade’ dos desejos. Mas será que é assim mesmo? Até mesmo muitos buddhistas têm uma visão semelhante. Mas analisemos, buddhologicamente essas ideias.

Para o Buddha, e de acordo com os ensinamentos sobre a Originação Dependente, o desejo ‘ruim’ tem como condição primária a ignorância. É devido à presença da ignorância que o desejo sedento acaba surgindo de cada contato sensorial que temos. Vemos, ouvimos e tocamos objetos do mundo e ao apreendê-los erroneamente o desejo sedento surge e eventualmente faz surgir o sofrimento. Mas o que é a ignorância? É justamente esta má apreensão da natureza verdadeira de nosso contato com o mundo. E se a ignorância está por trás dos desejos, isso significa também que ao mudar nossa visão a respeito do mundo, ou mesmo que uma parte dela, também nossos desejos, incluindo aí os “piores” que possamos ter, também mudam. Dizer que desejos são naturais não significa dizer que são imutáveis. Basta saber em que botão apertar para desmontar a sequência de condições.

Com base em nossa visão particular nós formamos expectativas. Entramos numa loja de música com uma ideia formada daquilo que queremos e, ‘naturalmente’, nosso olhar é focado nessa direção e todo o resto que não se conforma razoavelmente a tal ideia, é rotulado inconscientemente como ‘música ruim’, ou pelo menos ‘não interessante’. O mesmo se dá em restaurantes e mercados, em reuniões e encontros de pessoas, em livrarias e discussões de ideias, etc., mas o mais importante é que isso é feito em relação aos gostos e desgostos que já se tornaram hábitos. Estes formam uma zona protegida de coisas que ‘já sabemos que gostamos e que não gostamos’, zona essa que influenciará nosso julgamento a respeito de qualquer nova experiência. O ‘ruim’ é assim rotulado geralmente quando o objeto ou experiência não se encaixa em nossas expectativas do que é ‘bom’ ou ‘belo’. Seu desejo que parece tão natural talvez seja apenas um caso de um hábito tão longamente estabelecido que você já não percebe as condições sob as quais ele surgiu. Entende?