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Vida interior e comportamento

O Dhamma, e por consequência, o Buddhismo, pode ser visto sob o aspecto de leis universais, modo saudável de comportamento e direcionamento moral para o homem. O Buddhismo, assim, é mais que apenas um sistema moral. E se não fosse mais que isso ele não teria cativado a imaginação e os corações de gerações e gerações em sua terra natal e para além. É preciso a força de uma filosofia desafiadora, o calor de um ensinamento que fale ao coração e a radiância de um grande Mestre que nos inspire e anime para levar adiante nosso compromisso com uma doutrina qualquer.

Porém, isso não significa que o Buddhismo despreze a moral ou que a ache inútil. Seguir o Dhamma implica em agir de acordo com ele. Aqui encontramos uma filosofia que não se localiza exclusivamente no mundo abstrato das ideias e conceitos, mas que, por sua natureza, tem implicações práticas, mundanas se poderia dizer, e tais implicações são inseparáveis dessa própria filosofia. Um de meus professores, o Venerável Rewata Dhamma Sayadaw, dizia que: “O remédio que o Buddha prescreveu como a cura para o sofrimento humano foi a prática. Para nós, tomar refúgio no Iluminado significa aceitarmos sua orientação como remédio a ser utilizado em nossas vidas diárias… Nesse contexto, a prática inclui a disciplina moral (sīla), a disciplina mental da concentração (samādhi) e a sabedoria (paññā) ou purificação da mente. Em nossa tradição, a prática da moralidade para um praticante laico envolve a tomada dos cinco preceitos. Em outras palavras, toma-se o treinamento em não prejudicar ou matar qualquer ser vivo; não roubar; não utilizar incorretamente os sentidos; não se expressar mentirosamente ou de formas a causar dano aos outros; e não fazer uso recreativo de bebidas e drogas intoxicantes. A moralidade tem a ver com qualquer coisa que fazemos ou dizemos. Esses cinco preceitos são violados em qualquer momento em que causamos dano ou infelicidade seja a nós mesmos ou a outros seres vivos”. O Buddhismo, desta forma, não consiste apenas de conceitos abstratos e inteligentes, mas toda sua teoria tem como fim ser um remédio. E remédios apenas são efetivos, e mesmo úteis, quando tomados.

Sendo assim, se buscamos clareza e iluminação, então não intoxicaremos nossas mentes com substâncias e atividades que causem torpor, obscurecimento, confusão. Se buscamos o fim do sofrimento, então não incentivaremos atividades cujo único propósito é aumentar a sensualidade, os desejos e a ganância. Se buscamos harmonia e paz, então nos esforçaremos por cultivar compaixão e generosidade, e todo e qualquer ato que promova o bem-estar dos seres. A grande mestra tailandesa Kee Nanayon nos estimula a pensar sobre esta interconexão entre vida interior e nosso comportamento dizendo: “Quando as pessoas vivem sem qualquer ordem em suas vidas – sem toda a ordem básica que surge com os preceitos – não há como alcançarem a pureza. Temos de examinar a nós mesmos. De que maneira, a todo o momento, estamos quebrando nossos preceitos em pensamento, palavra ou ação? Se simplesmente deixamos as coisas passarem, se não estamos atentos em examinar a nós mesmos, em ver o dano que vem a partir da quebra dos preceitos e do seguir a trilha das impurezas, nossa prática pode somente afundar cada vez mais. Em vez de extinguir impurezas e sofrimentos, nós simplesmente sucumbiremos à força do apego. Se esse é o caso, que dano ocorre? Quanta liberdade a mente perde?”

Os resultados que almejamos estão conectados com suas causas e condições. Não é isso que ensina o Buddha ao falar que tudo que existe no mundo surge a partir de condições? Então não se poderia esperar algo diferente da abordagem buddhista a respeito da moral e da ética. Precisamos conectar teoria e aplicabilidade. Suas sugestões, regras, códigos, precisam estar baseados em razões racionais e coerentes. Não se aceitarão códigos morais baseados apenas em ‘este ou aquele deus quis’, ‘isto é como é e não faça perguntas’. E se, em assentimento prévio com o corpo de ensinamentos, com o Dhamma, resolvemos que este ou aquele princípio moral não nos interessa ou não nos parece correto, então é melhor que saibamos dar as razões para isso, e não apenas ‘não gosto e pronto’ ou um ‘acho que Buddha não ensinou isto’. A via é dupla, não aceitamos princípios morais arbitrários, mas da nesma forma não devemos ‘tirar o corpo fora’ também por razões arbitrárias, pela ‘vontade de nossas paixões’ ao invés da razão.

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