Neste ano duas mulheres significativas para o Buddhismo e para mim faleceram. Escrevo aqui como homenagem e para deixar uma lembrança para mim mesmo de seu papel.
Após visitar o Rev. Gyomay Kubose em Chicago, iniciei uma longa viagem de ônibus pelo oeste americano, fazendo paradas em diversas cidades. Atravessei os estados de Illinois, Iowa, Nebraska, Colorado, Utah e Nevada, encontrando sempre pessoas interessantes pelo caminho compartilhado. O destino final era a Califórnia, mais precisamente Los Angeles. Eu já tinha onde ficar por lá: o International Buddhist Meditation Center. O IBMC foi fundado pelo Ven. Thien-an, um monge buddhista vietnamita da mesma geração de Thich Nhat Hanh. Como este, Thich Thien-an também havia sido preso e torturado durante a guerra. Em 1966 ele veio lecionar nos Estados Unidos como professor visitante de Línguas e Filosofia Oriental da UCLA, e era reconhecido por sua erudição (seu doutorado foi pela famosa Wasada University do Japão), tanto quanto por seu treinamento na tradição Lin-chi. Sua presença nos EUA foi um bálsamo para centenas de refugiados feridos física e emocionalmente, os quais agora tinham que aprender a viver uma nova vida em solo americano. Ele levantou fundos e construiu prédios para abrigar os refugiados e construiu um templo buddhista para cuidar de suas necessidades espirituais.
Infelizmente eu não cheguei a conhecer Thich Thien-an. Ele faleceu em 1980, seis anos antes de minha visita. Mas pude conhecer Thich Man-Giac, que o sucedeu como supremo abade da “Vietnamese Buddhist Churches in America”, com o qual pude conversar pela primeira vez sobre Buddhismo vietnamita e sua interessantíssima mescla de Zen, Terra Pura e Theravāda. O Buddhismo vietnamita tem sua base no Buddhismo chinês, que une a tradição Zen com a tradição Terra Pura, aliando também a tradição Theravāda graças à influência cambojana do sul do país. O Vietnam é o único país asiático a fazer tal mescla, e por isso mesmo me interessava muito. Cheguei a ganhar alguns livros dele e até mesmo traduzir um deles durante minha estadia em Los Angeles.
A outra pessoa que conheci foi a venerável Karuna Dharma, uma discípula de Thich Thien-an por doze anos e sua sucessora na direção do IBMC. Joyce Adele Pettingill nasceu em Wisconsin, nos Estados Unidos, mas o nome que ficou consagrado no meio buddhista foi Karuna Dharma. Ela foi a primeira norte-americana a receber a ordenação monástica completa nos Estados Unidos, e dedicou sua vida ao Dharma. Além de seu trabalho dirigindo o IBMC, lecionando e realizando cerimônias, ela foi também presidente do American Buddhist Congress, vice-presidente do Buddhist Sangha Council e do College of Buddhist Studies, e foi a presidente-fundadora do Sakyadhita (International Association of Buddhist Women), uma instituição reconhecida mundialmente como voz significativa das mulheres buddhistas em todo o mundo. A venerável Karuna Dhamma faleceu em 22 de fevereiro deste ano, com 74 anos de idade.
Graças à sua generosidade pude viver dentro do IBMC como um dos residentes, participando de todas as suas atividades. Posso dizer, inclusive, que o modo de funcionamento do IBMC foi uma das inspirações para a criação do Centro Nalanda no Brasil. Seguindo as diretrizes de seus líderes, o IBMC era um centro residencial multitradição. Em todas as noites havia uma aula de uma tradição buddhista diferente. Tínhamos aulas de filosofia e prática zen nas segundas, treinamento zen nas terças, escrituras pāli nas quartas (com o Ven. Ratanasara), ensinamentos Rinzai nas quintas, Dhammapada aos sábados, Yoga e estudo de sutras mahayanas aos domingos, e Tai Chi todos os dias. Todos os domingos de manhã também havia uma palestra com algum excelente professor convidado e pelo menos uma vez por mês um retiro de fim de semana com algum professor de alguma tradição buddhista. Esse para mim é um modelo de como deve ser um centro buddhista no Ocidente.
No último dia 16 de junho, faleceu a Dra. Kalpakam Sankarnarayan, diretora do Departamento de Estudos Buddhistas do K.J. Somaiya Centre em Mumbai, Índia. Com mestrado em sânscrito e doutorado no tema “Alamkara and Vedanta”, seus interesses atuais estavam centrados no desenvolvimento do Mahayana na Índia e na arte japonesa. Um de seus últimos livros publicados foi “Lokaprajnapti: A Critical Exposition of Buddhist Cosmology”, em coautoria com os professores Kazinobu Matsuda e Motohiro Yoritomi. Acadêmica dedicada, pude encontrá-la muitas vezes na Índia e na Tailândia, durante conferências e no Somaiya Center, e ela foi instrumental, juntamente com o Dr. Somaiya, para um acordo de intercâmbio educacional entre o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda e o K. J. Somaiya Centre for Buddhist Studies.
Que ambas possam seguir em paz carregadas por seus muitos méritos.