Não, não é seu cachorro. A menos que você acredite que para ser seu amigo alguém deva abanar o rabo toda vez que você apareça ou alguém seja capaz de repetir inúmeras vezes o mesmo movimento ou reação a tudo o que você faz ou diz – como ir pegar aquela bolinha de borracha ad eternum – sempre com um olhar de satisfação como se você estivesse fazendo um grande favor a ele.
Ajahn Buddhadasa diz: “O verdadeiro amigo do homem é o dhamma, não ‘minha esposa’ ou o conhecimento benéfico ao ‘eu’, como geralmente aceito. A razão disso é ser o dhamma mais necessário; ele pode nos ajudar e proteger de forma melhor e mais efetiva que os outros dois itens”.
No relacionamento secular dos dias de hoje, a base de sustentação é formada a partir de paixão, atração, interesses comuns do momento, etc., todos eles elementos efêmeros. Cada pessoa se apoia na outra baseada nisso e, ao fazê-lo, passa a estar sujeito às regras das coisas efêmeras. Coisas efêmeras modificam-se e acabam, do mesmo modo que as expectativas e sonhos que nelas se baseiam.
Algumas pessoas são mais espertas e percebem que não podem fazer com que sua felicidade dependa de outras pessoas e circunstâncias. Talvez depois de muito sofrimento, muitas relações fracassadas, amigos-da-onça, traições e expectativas colocadas nos outros e não realizadas, elas veem que esse não é um caminho. Nem todas as pessoas percebem isso a tempo. Muitas passam todos os seus dias esperando que as pessoas à sua volta mudem. “Minha esposa finalmente há de compreender o quanto eu sou bondoso”, “Não é possível que meu marido não entenda o quanto sou dedicada, mas ele vai compreender, sei que vai!”. E temos aquelas pessoas que, já desesperançadas por acreditarem por tanto tempo nos outros que já conhecem, ainda pensam que encontrarão, no futuro, alguém que as entendam. “Só não encontrei ainda a pessoa certa!”
As expectativas que temos dos outros, ainda que possam até parecer justas e razoáveis, são baseadas em idealizações. É o que queremos, desejamos, idealizamos. E desejo, quando descontrolado, leva ao sofrimento. Já ouvimos isso vindo do Buddha, não? O mundo ideal, justo, razoável, não é um mundo real. Surpresa, surpresa, não é o mundo em que você vive realmente. PS: A menos, é claro, que você entre em algum culto que faça você pensar que todos os seres à sua volta são perfeitos, têm a ‘natureza-de-buddha’, e coisas assim. O poder da imaginação é muito maior do que geralmente as pessoas pensam.
Quem percebe que não se deve depender dos outros para a própria felicidade, começa a pensar em alternativas. Infelizmente, a rota que geralmente escolhem é a do “conhecimento benéfico ao eu”. Seu próprio senso de ‘eu, ego e meu eu’ passa a ser o centro de suas preocupações. “O que importa é ser feliz”, diz o refrão, e esse tipo de felicidade pode até mesmo, em alguns casos, assumir uma tonalidade ‘espiritual’. E vem aquela enxurrada de afirmações que “Eu Sou” isto e aquilo, da importância de encontrar sua verdadeira natureza (que invariavelmente tomam como sendo maravilhosa e benfazeja), o incessante derramar novaerístico de pessoas egoístas e narcísicas obcecadas por encontrar o próprio ‘EU’.
Esse é, lamentavelmente, o panorama de muito do que passa por espiritualidade em nossos tempos. O que não se percebe é que quando o eu está presente é que surgem os problemas. Dhamma (skr. Dharma), enquanto ‘conhecimento da natureza, das leis naturais, dos deveres de acordo com tais leis naturais e os resultados da realização de tais deveres’, não lida com idealizações, expectativas, desejos, nem mesmo com eu e meu. Seria melhor que o Dhamma fosse a verdadeira sustentação seja da vida individual quanto da vida conjugal. Comecemos pelo que há de mais sólido e a partir dali a vida se estrutura, cada andar se apoiando no anterior.