Pular para o conteúdo

Intolerância e preconceito

A antiga tradição ameaçada pela violência e pelo preconceito

Nos últimos anos as regiões cobertas pela tradição Theravada presenciam participações ativas, para o bem e para o mal, do monasticismo buddhista. Temos visto os dois extremos: monges que se levantam corajosamente contra as injustiças sociais e monges que ativamente se esforçam para aumentar o ódio e a intolerância.

Numa completa oposição àqueles corajosos monges que lideraram as passeatas contra a ditadura na Birmânia em 1988 e 2007, um novo movimento ultranacionalista surgiu denominado 969, liderado por um certo U Wirathu. A campanha que esse movimento promove é abertamente antimuçulmana, com um discurso de ódio e intolerância. A história política da Birmânia é extremamente complexa, com diversos grupos étnicos e culturais sendo obrigados a viverem juntos à força, opressões culturais de longa data, e manipulações políticas evidentes. Como entender o surgimento de um grupo de monges ultranacionalista num país afetado por décadas de ditadura? Uma das maneiras é suspeitar de que elementos governamentais da antiga ditadura têm tido um papel no apoio a movimentos de intolerância étnica de modo a tirar a atenção de problemas mais profundos presentes no governo. Hoje, como antes, na política, a melhor forma de fazer o povo esquecer das crises é fazê-lo crer que todos os problemas provêm de um “inimigo” lá fora.

Forças semelhantes podem ser utilizadas para compreender o incrível crescimento de um partido nacionalista buddhista no Sri Lanka, o Bodu Bala Sena, com o mesmo discurso de ódio e intolerância contra as minorias muçulmanas. O problema é complexo, e quase nunca a mídia noticia o outro lado da questão: a opressão contra as minorias buddhistas em países muçulmanos e a injeção de altas somas de dinheiro na expansão islâmica em países buddhistas por parte de governos muçulmanos árabes.

Na Tailândia os monges estiveram presentes dos dois lados da disputa que se arrasta há anos entre manifestantes pró e contra o ex-primeiro ministro Thaksin Shinawatra, acusado e condenado por corrupção, mas extremamente populista.

Na semana passada no Camboja muitos monges estiveram presentes no Freedom Park em Phnom Penh numa passeata a favor da liberdade de expressão. O monge But Buntenh, fundador da Rede Independente de Monges a Favor da Justiça Social, ao liderar um protesto antigoverno, disse: Não queremos um governo que controle as pessoas. Queremos que o povo controle o regime. Quem quer que seja um amante da justiça, nós estaremos ao seu lado”. Por todos os cantos do Camboja e outros países de maioria theravada temos monges ativamente engajados na melhoria das condições sociais do povo sofrido. Verdadeiramente, vemos entre os monges, do mesmo modo que na vida laica de todos os povos, as mesmas diferenças de opiniões, preconceitos, preferências, e as decisões, benéficas e prejudiciais, que resultam disso.

Preconceito e intolerância são resultados do egoísmo e do apego. Vale lembrar as palavras de Ajahn Buddhadasa: “Se eles não se apegam, se conseguem ‘deixar passar’, então, permitirão que tudo seja natural, seja comum, seja tathātā, seja ‘simplesmente assim, de tal modo que se tiverem que fazer alguma coisa serão capazes de simplesmente fazer, se tiverem que obter alguma coisa, então, apenas obterão, se tiverem que comer, apenas comerão, e assim por diante, sendo capazes de fazer tudo sem apego, isto é, agirão corretamente, de modo honrado – e, então, descobrirão que têm mais do que o suficiente de tudo”.

É hora dos seres humanos, incluindo monges e monjas, refletirem sobre preconceito e intolerância.