Se seu professor está errado em uma opinião, ainda assim você deve repetir o erro? Você pode justificar seu comportamento com o argumento de que seu mestre também fazia o mesmo?
Esse tema tão interessante é particularmente significativo para o Buddhismo à medida que ele foi desenvolvendo no decorrer dos séculos formas que incentivaram mais a mais a obediência, a hierarquia e uma particular fidelidade, não à verdade, mas às personalidades, autoridades e figuras superiores.
O praticante em tais tipos de Buddhismo se vê diante de um paradoxo. Ao mesmo tempo em que é incentivado a buscar a verdade e investigar por si mesmo (atitudes aconselhadas pelo próprio Buddha) ele simultaneamente é estimulado a ver seu professor ou mestre como máxima autoridade doutrinal, alguém à frente do qual deve baixar a cabeça e calar, isso quando não sugerido, em formas mais extremas, de que deve considerar seu mestre como o próprio Buddha.
A partir disso surgem os comportamentos de justificar as próprias ações e palavras a partir das palavras de seu próprio professor. “Meu professor disse isso, e por tal razão eu repito”, “Comporto-me assim, por que meu professor fazia o mesmo”, “Uma vez que meu mestre tem tal e qual título, ele está sempre certo, e posso repetir o mesmo sem investigar ou pensar por mim mesmo”.
Essa exacerbação da autoridade do professor, combinada com a inclusão da obediência doutrinal inquestionada, – elementos estranhos aos ensinamentos originais do Buddha – faz com que comece a surgir todo tipo de desavenças, que vão crescendo à medida que discípulos repetem sem ponderação as palavras de seus mestres, ausentando-se da responsabilidade pelas próprias palavras.
Outro ponto merecedor de atenção neste tema é a ideia da infalibilidade dos mestres e monges, assunto de que já tratei algumas vezes aqui e em várias outras ocasiões. Como que querendo transplantar a noção de “infalibilidade papal” para dentro do Buddhismo, alguns (infelizmente muitos) pensam que pelo mero fato de alguém ser monge (ou ter sido) torna-o infalível. Uma vez recebido tal e qual título hierárquico em tal ou qual instituição, pronto, seu corpo se torna o próprio Dharmakaya, o Corpo da Verdade, e suas palavras são néctar destilado da certeza.
Esse é o modo verdadeiramente buddhista de se comportar? Leiamos aqui as seguintes passagens:
- “O nembutsu não é uma prática de autopoder realizada por seres ou sábios tolos” – Shinran
- “A constante repetição do nembutsu é tão inútil como um sapo na primavera coaxando noite e dia. Esses iludidos por fala e fortuna, sentem muito dificuldade em abandonar o nembutsu. Presos por raízes profundas de uma mente gananciosa, eles existiram no passado e existem ainda hoje. Devemos sentir pena por eles… Que bem pode existir em ações tais como ler os sutras e pronunciar o nembutsu? Como é fútil pensar que méritos buddhistas podem ser obtidos meramente movendo a língua e levantando a voz”. -Dogen
- “Durante a era de Kennin (1201-1203) dois monges surgiram estabelecendo as escolas da Terra Pura e do Zen. Hōnen declarou que na época final da degeneração nem mesmo um dentre mil conseguiria obter o estado de Buddha por meio do Lotus Sūtra, enquanto que Dainichi afirmava que o Zen é a essência do Buddhismo transmitido especialmente fora das escrituras escritas e dos discursos orais. Esses dois falsos ensinamentos se expandem por todo Japão”. – Nichiren
- “A seita Zen, assim como um homem inferior com pouca virtude que despreza seus pais, despreza o Buddha e seus sūtras”. – Nichiren
- “Quando a maravilhosa meditação do Lotus Sūtra é exposta, tal caminho do Zen deve ser descartado como provisório… Se for o Zen que tem o grande mestre Bodhidharma como fundador baseado na ideia de que há uma transmissão especial diferente daquilo que é o ensinamento exposto por Śākyamuni Buddha, então tal ideia é tão herética a ponto de ser concebida por um demônio nos céus”. – Nichiren
Todas essas frases foram pronunciadas por eminentes professores considerados os fundadores de escolas importantes, respectivamente, a Jodo Shin (verdadeira Terra Pura), Zen e Nichiren. Na citação 1, o mestre considera as outras escolas uma prática para seres tolos. Na citação 2, o mestre compara os seguidores da Terra Pura a sapos coaxando inutilmente. Nas citações 3 a 5, o mestre declara a Terra Pura e o Zen como ensinamentos falsos, e o Zen em particular como um homem inferior que despreza o Buddha e as escrituras, a obra de um demônio.
O que os seguidores dessas escolas farão? Devem seguir sem autocrítica disseminando toda e qualquer posição de seus mestres, pela simples razão de que são “os mestres”? Deverão menosprezar outras escolas e entortar seus ensinamentos para ganhar um argumento?
Tais exemplos poderiam se multiplicar, abrangendo escolas e mais escolas buddhistas. Não é esse o ponto aqui. Isso não é característica particular dessa ou daquela escola. O ponto é mostrar que seja por onde for, professores/monges/mestres não são infalíveis. O problema, isto sim, ocorre quando o aluno abandona sua própria ponderação e passa a usar a palavra dos seus professores para justificar os seus atos e palavras. O que o outro fez ou disse não justifica que você possa ou deva o mesmo. Se isso é sua justificativa para menosprezar os outros, isso é uma desculpa capenga.
Difícil saber por onde ir!!!
Nós brasileiros somos muito apegados ao “meu jeitão”…
Esta atitude está atrelada ao ego e corrompe os ensinamentos.
A forma que o mestre faz é a forma que o mestre dele fazia, que o mestre dele fazia, que o mestre dele fazia e assim por diante. Por fim, é a forma de ninguém!
Quando o Buddha dizia que Seu ensino ia contra o mundo, era de inúmeras formas este ir.
Apesar do kalama sutta, apesar do nibbana sutta, apesar de tudo, o que a gente quer é um ser divino sob o qual se submeter, seja Javé, seja um Super Bddha, seja um super mestre…
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