Uma das características marcantes dos ensinamentos do Buddha, tal como preservados pela tradição Theravada, é sua implacável oposição a todo tipo de crença infundada, mesmo aquelas que nos chegam de fontes religiosas. Uma porção significativa das conversas do Buddha com religiosos brahmāṇicos e andarilhos espirituais de sua época girou em torno do esclarecimento de questões com esse tema. Ontem, como hoje, as pessoas se refugiam nas crenças, nos ritos e nos feitos mágicos, pois sentem necessidade de um ‘poder maior’ que as protejam. E apesar de combatidos pelo Buddha, mesmo o Buddhismo não escapou de se tornar no decorrer dos séculos um lugar cheio de superstições, de palavras e ritos mágicos, de superstições. No trecho abaixo, um dos grandes mestres da tradição Theravada, Ajahn Buddhadasa, descreve com sua forma característica, o papel das superstições em nosso aprisionamento:
***
SUPERSTIÇÃO É PRISÃO
“Queremos mencionar os seres enganados pela coisa conhecida como “saiyasatr” [Saiya significa “dormir”. Satr (do sânscrito Sastra, conhecimento, arma) significa “ciência” e é usado como o sufixo “logia”. Juntos eles significam “sonologia” ou a “ciência do sono”.]. Todas as formalidades supersticiosas e crenças são saiyasatr. Quanto mais ignorância existir, quanto mais faltar a alguém o conhecimento correto, mais será este alguém apanhado na armadilha das prisões das superstições. Atualmente, a melhoria da educação e da ciência (vidayasatr) [De vidaya, “conhecimento, ciência” e Sastra.], levou a um melhor entendimento das verdades naturais, e de todas as coisas. Ainda assim, permaneceram muitas armadilhas nas prisões da superstição. Isto é uma coisa pessoal. Algumas pessoas são apanhadas mais vezes e outras menos. As pessoas são apanhadas em graus e modos diferentes, mas podemos dizer que ainda existem pessoas apanhadas na prisão de saiyasatr, enganadas pela superstição.
Embora a superstição em geral tenha diminuído grandemente devido ao progresso da ciência, existe ainda uma boa quantidade de saiyasatr nos templos e igrejas. Por favor, perdoem-nos por dizer isso, mas o local onde podemos encontrar mais superstição é nas igrejas, nos templos, e nesse tipo de lugares. Embora a superstição tenha diminuído em geral, muito permanece nesses lugares. Onde quer que existam altares, onde quer que as pessoas se curvem e adorem as assim chamadas coisas sagradas, ali é o lugar onde persiste a “ciência do dorminhoco”. Superstição, saiyasatr, é para pessoas que estão dormindo. É para aqueles que não entendem corretamente, que são ignorantes. Temos aprendido estas coisas desde crianças, antes de termos a inteligência e a capacidade de pensar sobre elas. Crianças acreditam em tudo que é dito, e assim os “adultos” lhes ensinam muitas coisas supersticiosas. Se vocês ainda acham que treze é um número azarado, isto é saiyasatr. Ainda estão dormindo. Existem muitos outros exemplos de superstição, mas achamos melhor não nomeá-los. Algumas pessoas podem se sentir ofendidas. Estes tipos de coisas são prisões. Porque não olhamos com cuidado suficiente para vê-las como tal, mesmo o número “13” se torna uma prisão”.
***
Os praticantes da tradição Theravada têm um verso que recitam regularmente. Ele começa assim:
“Muitos são os refúgios, montanhas e florestas,
Mosteiros e altares sagrados, para os quais os
Homens fogem na hora do medo.
Esses não são refúgios seguros, não são o refúgio supremo.
Não é dependendo deles que é possível se ver livre do sofrimento”.
Essas são palavras poderosas para nossos tempos, úteis igualmente para não buddhistas, como para os sinceros seguidores do Buddha.
a recitação de um mantra poderia ser vista em algumas situações como superstição?
João Carlos, se ela for feita ser conhecimento, sem compreensão do que significa, se à espera de resultados “mágicos” que independam das ações e da virtude de quem pratica, então, sim, ela se torna também uma superstição. É assim que seria considerada na tradição buddhista Theravada.
Não é possível comentar.