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A vida é aquilo que a tornamos

A vida é aquilo que a tornamos por meio de nossos próprios pensamentos e ações; assim, é por meio dos próprios pensamentos que um homem sobe ou desce”.

Essa frase do Ven. Titthila Sayadaw, um grande mestre de Myanmar (Birmânia), expressa bem um ponto de vista buddhista sobre a vida, perspectiva que está presente igualmente em diversas tradições buddhistas. Nossos pensamentos moldam e influenciam nossas ações; as ações alteram e manipulam a realidade exterior – amigos, ambiente de trabalho, família, etc.; essa realidade exterior volta para nós estimulando que tenhamos novos pensamentos, reações, emoções; o que gera novas ações que alteram e manipulam o ambiente.

Sim, tem a ver com karma, aquela lei das ações e reações tão falada, mas também tem a ver com nosso entendimento. A menos que saibamos o que está acontecendo com nossa vida interior, isso será como estarmos num quarto escuro. Sem saída, sem nem mesmo uma ideia da direção a tomar.

Por vida interior quero dizer aqui nossos sentimentos, intenções e, principalmente, o que achamos que a vida é. Sim, aquilo que você acha, pensa e concebe, influencia os pensamentos que você terá. E dos pensamentos, bem, todo aquele ciclo recomeça.

Espero que esteja ficando claro como é importante “o que achamos que a vida é”. É por esse motivo que se você simplesmente meditar, sentar numa almofada, olhos fechados e tentando seguir seja lá qual for a técnica que você leu num livro ou num blog da internet, isso vai ter um resultado insignificante. Sim, insignificante, por mais que você ache que teve progressos depois que começou a meditar.

Em nossa linhagem não começamos com meditação pura e simples. Começamos com entendimento. Se você meditar com técnicas certas, mas com pensamentos errados ou, melhor dizendo, distorcidos, contorcidos, vencidos, você vai sair da sessão de meditação como entrou. Apenas um pouco mais tranquilo. Talvez.

Um tempo atrás lancei a tradução em português da Revista Sati, uma revista norte-americana do centro de estudos buddhistas do Gil Fronsdal, um professor de zen e vipassanā de lá. Neste número 1 o tema é justamente a relação entre estudo e prática no caminho buddhista. Vale a pena você dar uma checada.

Dentre os vários artigos interessantes há uma entrevista feita com o Stephen Batchelor, um influente professor que tem alguns livros publicados já no Brasil, como o Confissões de um ateu budista e o Budismo sem Crenças. Deixo aqui uma das perguntas e sua resposta:

REVISTA SATI: O estudo pode levar ao pensamento discursivo e a papañca?

BATCHELOR: Você quer dizer que a meditação não pode? O estudioso e o meditante igualmente devem estar alertas às suas próprias tendências para proliferação de pensamentos desnecessários. Eu não penso que o estudo é mais ou menos propenso a essas coisas do que a meditação. Você pode sentar em meditação enquanto sua mente vagueia por todo lugar, gerando todos os tipos de teorias e histórias fantásticas. Esse tipo de objeção ao estudo, de novo, reflete o viés anti-intelectual, romântico, de muitos estudantes de buddhismo. Nós realmente temos que superar isso e tentar alcançar uma noção mais integrada de estudo e prática, ao invés de constantemente ficar desconfiado de que o estudo vai nos levar para longe do caminho. Por que não nos preocuparmos que a meditação pode nos tirar do caminho? Há também armadilhas na prática de meditação; podemos acabar em variados tipos de estados estranhos e de autoilusão. Estudo e reflexão cuidadosa, porém, podem servir como uma proteção útil contra tais perigos.