“Este é um vírus para não se pegar”; mais um episódio importante do Nicolelis, sobre os 500 mil mortos, a vinda devastadora da variante Delta, e os efeitos graves na saúde em 23% naqueles que já pegaram o covid-19
À medida que vamos vendo mais e mais pessoas morrendo ao nosso redor – o Brasil já responde por 25% das mortes do mundo – o que fica para mim de aterrador, ou talvez de profundamente desanimador, não tem nada a ver com saúde e doença, mas com educação e ignorância. É aterrador constatar que a falta de pensamento crítico, negacionismo, brutalidade emocional e arrogância anticientífica está presente – e continua presente apesar do crescente número de mortos! – numa porcentagem inacreditável da população.
Dizem que o covid-19 não tem lados, que ele não respeita as barreiras das classes sociais e econômicas. Isso não é completamente verdade. Apesar de qualquer um poder ser atingido pela doença, é evidente que as classes mais pobres e com menos recursos de toda sorte sofrem muito mais. Mas há outro fator que verdadeiramente é democrático: a ignorância. Como dizia o Buddha a ignorância está na raiz de todos os males. Essa ignorância afeta o rico e o pobre, o chique e o esfarrapado, o culto e o iletrado. No negacionismo e no movimento anticientífico não está presente uma análise crítica bem fundamentada e mesmo benéfica em por em dúvida algumas afirmações da ciência, mas pura arrogância em simplesmente negar por negar, ir contra pelo simples ser do contra.
A falta de argumentação lógica, ou que é pior, a presença de uma argumentação estapafúrdia que não consegue juntar A com B – um alerta para o nível do ensino em todo o mundo e seu fracasso em ensinar a pensar, pois incentiva mais o decorar e as aplicações ‘práticas’ e ‘úteis’ – tem um lugar de destaque. Passar os olhos pelas discussões que ocorrem no Twitter, por exemplo, é profundamente desanimador, ao mesmo tempo que ilustrativo do grau em que chegamos após 2500 anos desde os pensadores gregos. A sociedade atual falhou miseravelmente para com a filosofia.
Mais dramático ainda, porém, é a brutalidade emocional. “Vamos deixar de mimimi”, “Eu não sou coveiro” e homenagens a torturadores e à cultura de morte estão entre os sinais do profundo câncer que se alastrou nas mentes das pessoas. Falhamos como sociedade humana quando permitimos – devido a décadas e mesmo séculos de permissão à ignorância – que uma parte tão grande da população tenha normalizado tais expressões. Falhamos quando enquanto cultura não conseguimos mostrar que o cuidar e se preocupar pelo outro são coisas importantes para o funcionamentos saudável de uma sociedade. Quando tantos operam no seu dia a dia com mentes de ambição, disputa e carentes de toda compaixão pelo outro – ainda que em sua ignorância achando que são seres humanos exemplares que focam na produtividade e na vida saudável cuidando dos ‘seus’, é momento para lembrar de como o Buddha, e tantos outros, insistentemente disseram que a avidez, o ódio e a confusão mental são raízes profundas do mal. Não são galhos, não são coisas fáceis de simplesmente quebrarmos, mas são raízes profundas que quanto mais tempo deixamos que cresçam mais elas penetram fundo, infectando o interior, secando o coração de todo amor e compaixão verdadeiros, e espalhando a doença por grande parcela da humanidade.
“Este é um vírus para não se pegar”. Combata o vírus da ignorância e do descuido pelo outro. Se ele não te matar, há grandes chances de deixar sequelas duradouras em você e em toda a sociedade à sua volta.
Que bom ver um posicionamento sensato nesta triste época que nossa sociedade atravessa. Que possamos superá-la o mais rápido possível.
Excelente texto professor.
Penso que iremos afundar ainda mais na ignorância pois ainda há aqueles que defendem esse governo e toda sua falcatrua de atuação e cortes e privatizações.
Será que já iniciamos os 1000 anos sem um buda como descrito na cosmologia budista?
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