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In Memoriam Ricardo Mário Gonçalves

Rito Memorial de 7o. dia no Higashi Honganji – 12 de setembro 2021

Ontem estive presente no Rito Memorial de 7o. dia organizado (via Zoom) pelo Templo Higashi Honganji em homenagem ao Prof. Ricardo Mário Gonçalves. Foi um rito tocante, principalmente pela presença de seus netos, que falaram um pouco sobre a vida do dia a dia do prof. Ricardo, desde sua paixão por gatos (conhecida de todos) até seu (des)interesse por futebol, que ele fazia questão de assistir com os netos como uma forma de ‘estarem juntos’. Foram depoimentos sensíveis que deram um contraponto pessoal a uma vida intensa de estudos e dedicação ao Dharma.

Como muito bem frisado durante o evento ele teve durante toda sua vida muitas facetas, atuando de coração seja enquanto buddhista, maçom, catedrático de história, estudioso de símbolos, mitos e esoterismos. Foi uma vida rica, ao lado de sua esposa, a Rev. Yvonete (falecida no ano passado), que sempre o acompanhou em todos os seus interesses.

Enquanto buddhista, ele mesmo afirmava isso, sua área principal era o buddhismo japonês, interesse facilitado imensamente por seu conhecimento da língua japonesa com a qual, já muitos anos antes, ele traduzia oficialmente os filmes e séries japonesas antigas que chegavam ao Brasil. Possivelmente este deve ter sido meu primeiro contato (indireto) com ele, quando ainda criança eu costumava ir aos cinemas japoneses de São Paulo assistir os famosos filmes de monstros, do tipo Godzilla e Ultraman, bem como as séries National Kid e tantas outras.

Ele começou pelo buddhismo zen, tendo escrito um dos livros mais conhecidos pelos interessados no buddhismo nas décadas de 70/80, “Textos Budistas e Zen Budistas”, uma coletânea de textos extraídos de várias fontes, com traduções e uma introdução explicativa. Creio que não haja nenhum praticante antigo do buddhismo no Brasil que não o tenha lido, possivelmente como primeiro ou segundo livro. Talvez influenciado pelo seu interesse na Teosofia e em outros movimentos ocultistas ocidentais, bem como um acentuado interesse na psicologia junguiana, do Zen ele dirigiu seu interesse para a escola Shingon, chegando a se tornar achariya (mestre) nessa tradição buddhista, enquanto morava em Kyoto. O Shingon lhe propiciou certamente a oportunidade de se debruçar sobre os símbolos e conhecimentos ‘secretos’ agora com um sabor oriental.

Professor Ricardo Mário Gonçalves dando uma aula, na década de 80
Rev. Yvonete na 1a fila. Lá estou eu ouvindo atentamente sobre os paramitas.

Quando o conheci, em 1982, ele já estava em outra escola, a Jodo Shinshu, a Verdadeira Escola da Terra Pura, uma vertente japonesa fundada por Shinran no século XIII. Juntamente com o Busshinji, a matriz do Zen no Brasil, o Higashi Honganji na Avenida do Cursino foi uma casa para mim em meus primeiros anos no buddhismo. No Higashi, o prof. Ricardo Mário Gonçalves dirigia o Instituto Budista de Estudos Missionários, no qual regularmente nas quintas-feiras nos reuníamos para discutir sobre o buddhismo em geral, sobre a doutrina da Terra Pura, sobre simbolismo, sobre tradução. Aos domingos havia também os ritos tradicionais do templo. Por anos regularmente compareci em ambos. Até hoje quando as pessoas me perguntam se existe algum templo buddhista em seu bairro me vem à mente que eu tomava dois ônibus e levava mais de uma hora para chegar no Higashi, e nunca me ocorria esperar que algum templo buddhista fosse aberto em meu bairro para eu começar a praticar. Alguns anos mais tarde fui ao outro lado do mundo continuar nessa busca.

Uma palestra na nave do Templo, na 1a fila a Rev. Yvonete, na 2a.fila é possível ver o prof. Joaquim Monteiro, também no início de seus estudos, e eu logo atrás dele na 3a fila. Começo da década de 80.
Uma das reuniões no Instituto Budista de Estudos Missionários na década de 80

Ter começado pelo buddhismo ao mesmo tempo com o Zen e a Terra Pura provavelmente me influenciou a não me dedicar exclusivamente a um ou outro. No Zen me atraía a meditação e a austeridade do simples; no Jodoshin me atraía a palavra, o símbolo, o imaginário. As abordagens Zen e Terra Pura se separaram no Japão em escolas diferentes, mas estiveram juntas na China, na Coreia e mesmo no Japão do Tendai, escola da qual tanto Dogen quanto Honen e Shinran vieram. Acabei me aproximando do buddhismo coreano, que combinava as práticas, bem como da linhagem do professor Gyomay Kubose, que também se inspirava em ambas as abordagens.

O prof. Ricardo Mário Gonçalves, tendo igualmente passado por diversas escolas sempre manteve uma mente bem aberta às diversas expressões do Dharma, às quais ele frequentemente se referia como sendo os vários “buddhismos”, uma expressão melhor que apenas “o buddhismo”.

No último mês de maio, nossa Comunidade Buddhista Nalanda realizou um grande evento internacional comemorando o Vesak, a data que celebra o nascimento, iluminação e parinibbana do Buddha. Convidei 35 professores que conhecia pessoalmente, originários de 12 países para conduzir práticas e ministrar palestras em três línguas, representando as principais escolas buddhistas existentes. O prof. Ricardo Mário Gonçalves prontamente aceitou meu convite e fez uma exposição sobre buddhismo, helenismo e estoicismo. No final do evento expressou: “Parabéns pelo magnífico evento!” Foi uma honra tê-lo conosco nessa ocasião que, mal sabíamos, seria provavelmente sua última aparição num evento desse porte. Deixo aqui a gravação deste acontecimento como mais uma homenagem ao professor que a tantos inspirou.

Professores convidados do 5o dia de nosso Vesak internacional, maio de 2021. Professor RMG encerrou o dia com uma palestra sobre buddhismo, helenismo e estoicismo.

6 comentários em “In Memoriam Ricardo Mário Gonçalves”

  1. Obrigada por compartilhar conosco estas belas palavras de homenagem ao professor. Desde a Terra Pura ele há de continuar a nos iluminar! As suas palavras são a prova de que isto é preciso! Grata NaMu Amida Butsu

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