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Koyo Kubose – In Memoriam

Koyo Kubose

“Que Assim Seja” (“May It Be So”)

Em 7 de março deste ano (2022) Koyo Sensei partiu. Um professor exemplar, humano, e mais que tudo, um amigo querido. Demorou um pouco até que eu escrevesse algo desde quando recebi a notícia naquela semana.

Em 1987 eu comprei um passagem da Greyhound (uma empresa de ônibus estadunidense) de Boston para Los Angeles. O bacana era que eu poderia fazer 7 paradas (ficando nelas quantos dias quisesse) durante esse percurso que atravessaria da Costa Leste até a Costa Oeste dos Estados Unidos. De onde eu morava, perto de Boston, resolvi tomar a rota norte, que passaria por Albany, Buffalo, Cleveland, Chicago, Omaha, Denver e Las Vegas, antes de chegar em Los Angeles, meu destino onde passaria os meses finais de minha temporada norte-americana. O motivo principal para escolher a rota norte era Chicago, onde eu planejava fazer uma visita ao Reverendo Gyomay Kubose, cujos livros haviam sido muito significativos em meu caminho até então.

Apesar de não ter, naquela época, o costume de anotar nada, posso dizer com segurança que cheguei em Chicago por volta do dia 12 de agosto. Isso porque uns dois dias depois ocorreu na cidade uma chuva tão forte que ocasionou a maior enchente em 100 anos na cidade (Record Rain Deluges Chicago – The Washington Post). Muito mais significativo que isso, no entanto, foi o fato de que aquilo que era para ser apenas uma tentativa de encontrar um autor de livros significativos para mim, se transformou num convite dele para eu ficar alguns dias morando em seu Buddhist Temple of Chicago. Lá pude ouvir suas aulas, conversar e meditar com ele e conhecer sua família (sua esposa Minnie, e seus filhos, Sunnan e Joy, não me recordo se encontrei Don na ocasião) e amigos, alguns dos quais mantenho contato até hoje. Seu filho, Sunnan Kubose, mais tarde seria conhecido também como Koyo.

Procurando pela data da enchente de 1987 encontrei uma matéria de 2014 (Eyewitness to History: Record rainfall, floods in 1987 – ABC7 Chicago) onde o repórter dizia que os efeitos daquela enchente ainda tinha repercussões até aqueles dias. Posso dizer que meu encontro com Gyomay e seu filho Koyo naqueles dias de agosto também tiveram repercussões duradouras. Ao longo dos anos seus ensinamentos permaneceram comigo como pilares seguros, referências de humildade e humanidade dentro do buddhismo. Traduzi e publiquei dois livros do Rev. Gyomay Kubose, “O Centro Dentro de Nós” (“The Center Within”) e “A Vida É Como É” (“Everyday Suchness”) para a língua portuguesa. Ministrei diversas aulas baseadas em seus ensinamentos e, em 2006, fiz parte da primeira turma de ministros laicos de Dharma formada por Koyo Sensei com base nos ensinamentos de seu pai.

Estudar com Koyo Sensei foi sempre uma alegria, dharma descontraído e criativo, mas sempre profundo. A primeira turma foi a menor de todas. Bons amigos na caminhada. Havia o Andy-san de Milwaukee, Wisconsin;  o Bill-san de Chicago; a Niko-san do Havaí; o John-san de Decatur, Illinois; e o Ricardo-san do Brazil. Tivemos o privilégio de “fazermos” juntos, caminhar no dharma, experimentar com os “dharma glimpses”, as “capping phrases”, os relatórios semanais, as discussões sobre o Buddha, sua vida, as escolas, o buddhismo engajado, o buddhismo com e sem crenças, o Zen, o Shin, a morte (minha mãe morreu neste período), a fé, o relacionamento com outras religiões, enfim, “seguir em frente”, sempre. Koyo Sensei também nos apresentou grandes nomes com os quais pudemos nos reunir e fazer perguntas, como Alfred Bloom, Imamura e Nakasone Senseis.

Meu nome de dharma anterior no Mahayana (via Higashi Honganji) era Ryushin, literalmente “dragão-fé”, Koyo Sensei gostava desse nome. Numa conversa ele me disse que sua interpretação para o nome era “ter uma confiança feroz no Dharma, viver o Dharma, ser o Dharma de forma feroz, como um dragão”. No entanto, ao nos tornamos ministros laicos do Dharma, todos recebíamos um nome terminando com “yo”, um tributo ao Reverendo Gyomay, seu pai. E assim meu nome foi mudado para Ryuyo (“dragão-sol”) Sensei, honrando o “ryu” original, e introduzindo a linhagem do sol de Gyomay.

Em 2021 celebramos o Vesak com um grande evento. Comemorando 32 anos de existência do Centro de Estudos Buddhistas Nalanda, convidamos 35 professores de 12 países diferentes para apresentarem o Dharma em 3 línguas. Koyo Sensei foi um dos nossos convidados de honra para palestrar no dia 29 de maio. Porém, 9 dias antes, lamentavelmente faleceria sua esposa, a querida Adrienne Sensei, corresponsável pela formação de ministros do Dharma, e que eu conhecia desde os tempos de Chicago. Telefonei para Koyo Sensei e perguntei-lhe se preferia cancelar sua participação, mas ele fez questão de estar presente. Nada mais compatível com uma de suas expressões mais frequentes: “Siga em frente!” (“Keep Going!”) Sua palestra “Dark Dharma” foi de grande significado.

Koyo e Adrienne mostraram em suas vidas o Dharma em sua essência, como o velho mestre Gyomay também o fez. Para eles, uma prática espiritual diária poderia ser resumida assim:

“No mínimo: um gasshô de manhã e de noite
O tema do gasshô da manhã é ‘Harmonia’
O tema do gasshô da noite é ‘Gratidão’
Envie sua intenção consciente para o mundo
Permita que as forças kármicas se desdobrem
Não tente ‘forçar’ a harmonia ou a gratidão
Seja sincero… e não se esqueça de sorrir!”

Nossas reuniões durante todos esses anos terminava assim, com um gasshô, um “Que Assim Seja” (“May It Be So”) e um “Até a Próxima Vez” (“Until Next Time”). No Prefácio da edição brasileira de “Everyday Suchness”, Koyo Sensei escreveu: “Foi nos anos 80 que pela primeira vez Ricardo-san visitou o Templo de meu pai em Chicago, onde eu fazia parte da equipe de ministros. Pelos últimos trinta anos, nossos caminhos kármicos continuaram a se cruzar e nos mantivemos em contato. Que coisa maravilhosa! Amigos no Dharma são um tesouro precioso na vida”.

Até a Próxima Vez, Velho Mestre e Amigo

🙏 Gasshô, Ryuyo

“The Dharma Is My Rock” by Rev. Koyo S. Kubose

Many things are happening
In my life right now.
Underlying it all,
The Dharma is my Rock.
Beyond sorrow and joy,
The Dharma is whispering
Everything is Okay,
Even when things are not going okay.
Eyes full of tears,
Heart heavy with pain,
Stone therapy helps me see
The Suchness of all things.
Being embraced by the Dharma,
I will live  life of Oneness,
Where the Universal and Infinite
Touch the particular and finite.
Yes, I will struggle;
Yes, things may not turn out
Exactly the way I would like.
Yet, I will keep going with a smile
Because I know
The Dharma is my rock.