Aqui podemos começar a antever a conexão desse desenvolvimento com a validação do suicídio. O aspirante a bodhisattva adquire todas essas coisas não para mantê-las para si, mas para ter mais para ofertar. E nesse conjunto de coisas está incluso não apenas suas posses materiais, mas também sua família e sua própria vida, como aponta o Upāsakasīla Sūtra.
Com a difusão, assim, do Mahāparinirvāṇa Sūtra e dos sūtras associados a ele, o suicídio por uma causa nobre passa a ter uma validação escritural – lembrando que para o Mahāyāna antigo tais sūtras não eram considerados como produções posteriores (como a historiografia atual sustenta), mas como palavras factuais do Buddha histórico, coisa que escolas antigas, como a Theravāda, nunca tiveram que lidar pois seu cânon foi fechado antes do aparecimento dos novos sūtras mahāyānas. Daí encontrarmos exemplos de suicídio religioso primariamente nos países influenciados por aquela corrente.
Não apenas o suicídio com o propósito de sacrifício pela causa do Dharma pode ser entendido agora, mas também a ocasional adoção de práticas de guerra envolvendo alguns mosteiros de denominação mahāyāna. A adoção do Mahāparinirvāṇa Sūtra e escrituras correlatas (como o Sūtra do Lótus, que diz que a melhor oferenda é aquela do próprio corpo) como textos autoritativos possibilita o pensamento de que também matar, se for para a defesa do Dharma, é permitido, o que facilita entendermos o aparecimento do samurai tanto quanto do kamikaze moderno, os quais mesmo que mantendo seus ideais buddhistas não sentem qualquer contradição com o matarem em nome da justiça ou morrerem na defesa de algum ideal nobre. O sacrifício em nome do Dharma tem um exemplo (que embora não tenha chegado ao suicídio, tem ainda a mesma tônica de sacrifício extremado de uma parte do corpo em nome do Dharma) na escola Zen em suas próprias origens, quando o segundo patriarca, Hui-k’o, diante da recusa de Bodhidharma de lhe ensinar o Dharma, corta seu braço como prova de sua determinação. Os monges e monjas do Tibete atual fazem parte de uma longa linhagem que vem desde monges chineses do século cinco d.C. que empreendiam o suicídio ritual como forma de protesto ou para a defesa dos ideais da religião. Já no sūtra do Lótus, a autoimolação por meio do fogo (a prática adotada pelos monges e monjas tibetanas agora) é preconizada como exemplo maior da prática de um bodhisattva.
Devido ao isolamento dos monges e monjas tibetanas no solo chinês não podemos saber se suas ações são meros protestos políticos desesperados diante da opressão injusta e cruel, mesmo que indo contra os preceitos de preservação da vida pregados por sua religião, ou se suas ações podem conter em si uma adição doutrinal que lhes dão uma percepção maior do que seus atos significam. Mas se tiverem, a concepção extremista de um Śūnyavāda e o sacrifício da própria vida como parte de um caminho bodhisattvico poderiam bem servir para este objetivo.