Os chineses do primeiro século DEC (Depois da Era Comum) que sabiam escrever não tinham o menor interesse em relatar o que acontecia em termos de religião, ainda mais sobre uma religião estrangeira que estava começando a chegar em seu território. O buddhismo durante os primeiros séculos na China era considerado uma religião dos bárbaros, limitada às comunidades de imigrantes e mercadores estrangeiros, e merecedora de pouca importância pela camada erudita chinesa. Qualquer coisa precisaria estar conectada com algo relacionado ao governo e à política para ter mérito de ser escrita. E esse é o motivo porque sabemos tão pouco sobre a prática buddhista tal como vivida pelo povo.
Cinco anos após o Imperador Guangwu (5 AEC – 57 DEC) ter retomado o trono em 36 DEC, fundando a Dinastia Han Posterior, com base em Loyang (atual Luoyang), um de seus filhos, Liu Ying, filho da Consorte Xu, foi nomeado príncipe, recebendo o reino de Chu (cuja capital era Pengcheng, atual Jiangsu) como herança. Ele parece ter tido um interesse acentuado por várias religiões, entre elas o buddhismo. Seu irmão mais velho, Liu Zhuang, filho de Yin Lihue, tornou-se o Imperador Ming de Han (58-75) após a morte do pai.
No volume 88 do “Hou Han-shu” (Livro de Han Posterior), do século V, aparece um Edito do Imperador Ming, datado de 65 DEC, que faz menção ao seu irmão Liu Ying, rei de Chu, como alguém que: “recita palavras sutis de Huang-Lao (escrituras daoístas) e respeitosamente realiza sacrifícios pacíficos ao Buddha”. Esta será a primeira menção à existência do buddhismo em solo chinês.
65 DEC é o ano em que Ming anuncia uma anistia geral a todos os que estavam ameaçados por alguma sentença de morte. Seu irmão Liu Ying provavelmente era um desses, pois nesta mesma época ele envia trinta rolos de seda como presente ao imperador, e recebe como resposta: “Nada encontramos de odioso ou duvidoso nisso”, se referindo às práticas de louvor ao Buddha, e manutenção de uma dieta vegetariana por três meses.
O Edito menciona a existência de upasakas e sramanas, revelando existir algum tipo de comunidade buddhista da qual Liu Ying fazia parte ou mesmo era o principal patrono, mas pelo menos no que toca a Liu Ying, aprendemos apenas que a prática consistia meramente de oferendas e jejuns em homenagem ao Buddha. O imperador Ming devolve os rolos de seda com a instrução de que fossem vendidos para alimentarem os devotos. Essa é a primeira referência ao buddhismo na China, e pelo próximo século os documentos históricos ficarão silenciosos a respeito de sua presença.
Aparentemente Liu Ying não aprendeu muito depois da anistia recebida, pois no ano 70 ele é mencionado como tendo contratado magos para conjurar poderes mágicos sobre tartarugas de ouro e crânios de jade, com inscrições que foram tomadas como uma suspeita de usurpação do trono. Como muitos de sua época, Liu Ying tinha um acentuado interesse em mágica, o que sempre foi muito comum na China, com uma longa tradição de busca pela imortalidade. O daoísmo Huang-Lao consiste de uma deificação de Laozi (Lao-tse) e era intimamente conectado com métodos alquímicos e de busca da imortalidade. Isso acabou fazendo com que o Imperador Ming o exilasse e o destituísse de seus títulos e posses, o que provavelmente o levou ao seu suicídio no ano seguinte.
Se não fossem esses acontecimentos jamais saberíamos que o buddhismo já estava presente tão cedo na região, certamente trazido via Rota da Seda, a qual tornou muito mais fluido o contato entre a Ásia Central e a China. Podemos facilmente imaginar monges buddhistas viajando sob a proteção e sustento das caravanas de mercadores que adentravam na China do Período Han vindos das regiões da Báctria, Gandhara, Punjab, e mesmo mais distantes, como Índia, Pérsia e Roma.
Essa história também revela a proximidade entre o buddhismo e as práticas daoístas. Na verdade, como explica Henri Maspero: “É um fato muito curioso que por toda a dinastia Han, daoísmo e buddhismo foram constantemente confundidos e apareceram como uma única religião”.