No momento do contato entre órgão sensorial e objeto sensorial, a consciência presente é pura. Posteriormente alguns entenderam isso de maneira mais solidificada. Entenderam que a consciência mencionada aqui não é algo efêmero e condicionado pela presença de órgão sensorial e objeto sensorial, mas que seria uma existência em si mesma. E que a pureza seria então uma qualidade intrínseca da mente. Mente existente por si mesma, pura, sublime.
Alguns criaram daí toda uma doutrina baseada na ideia da ‘mente pura’. Tal mente pura passou então a ser interpretada como dentro do tempo, como uma mente no passado, que era pura, mas veio a se manchar. ‘Mente original’ foi vista como a primeira mente no tempo, ou mesmo antes do tempo surgir, a mente antes de ser manchada pelas impurezas, um mente eterna, desejável, pura. As pessoas então saíram atrás de tal mente original. Elevaram-na, tornaram-na uma existência por si mesma. E você cai assim no eternalismo, doutrina tão criticada pelo Buddha, mas tão presente, pipocando aqui e ali durante toda a história do buddhismo. Mente pura e original, criando escolas e tradições.
A ‘mente pura original’ se torna ‘o que realmente eu sou’, ‘minha essência’, ‘meu eu verdadeiro’. Exemplos ideais disso se manifestam nas criações de ‘buddhas eternos’, ‘buddhas de qualidades infinitas’, que não nascem nem morrem. Isso então é contrastado com o mundo em que vivem os seres vivos, que passa a ser visto como ilusão, não real. O dualismo surge, e dele doutrinas de busca pelo ‘ser eterno’, na forma de buddhas, do eu verdadeiro ou da mente pura. Reificação da consciência presente e inserida na cooriginação dependente, agora transformada em existência pura fora da rede de interrelações. O atman ressurge dentro do buddhismo, com outros nomes, novas siglas.
Gostei, professor.
Uma boa sequência, me parece, seria abordar Anidassana Viññāṇa…
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