Atualmente é comum encontrar buddhistas “virtuais”, bem como outras pessoas, religiosas ou não, reclamarem de preços de atividades como cursos e retiros nos diversos centros religiosos. O argumento é de que isso deveria ser “gratuito” pois o Buddha, em sua época, ensinava tudo gratuitamente. E isso, em parte, é justificável, uma vez que algumas atividades de alguns lugares podem de fato aparecerem como acima do que a média do cidadão pode arcar. O argumento, no entanto é, em si, falacioso, porque não conta toda a história. As pessoas que fazem tais reclamações, em geral, não são pessoas que frequentam centros de dharma. E não frequentam, não porque os cursos e retiros são caros demais, mas porque nunca tomaram a iniciativa de investigar como poderiam participar de outras formas. Ou porque a preguiça e o torpor sempre foi forte demais para se locomoverem até eles.
Voltemos para a época do Buddha. O Buddha era capaz de ensinar gratuitamente, indo de vilarejo a vilarejo, porque nesses lugares havia pessoas dispostas a abrigá-lo e alimentá-lo. E não só a ele, mas a todos os discípulos que o acompanhavam. Não apenas havia pessoas assim nesses vilarejos, mas também ao longo do caminho. E quando um mosteiro era construído, eram tais pessoas que continuavam, diariamente, sustentando tudo aquilo. Aprendemos com esse simples fato histórico que havia uma interação interdependente, interação essa baseada no assumir responsabilidades. E tais responsabilidades não recaíam apenas aos que tinham muito dinheiro, mas a todos. Na Ásia, mesmo quem tem muito pouco ainda assim coloca suas colheres de arroz e sua concha de curry na tigela dos monges.
E sempre houve os que iam varrer, lavar, pintar, construir, etc. Hoje, no entanto, aqueles que gostam de reclamar sobre preços de atividades, buddhistas ou outras, parecem ter o inseto da reclamação os estimulando, pois reclamam por reclamar, mas quem destes vai até os centros e mosteiros para oferecer seu trabalho? Quem destes pratica o shramadana (a doação do trabalho)? Queremos atividades gratuitas, reclamamos que não temos dinheiro para pagar os retiros, e esperamos que tudo nos seja oferecido de graça. Esta é uma reclamação que acredito todos já ouviram. Entretanto, de um lado não percebemos que quando um retiro é organizado alguém deverá pagar por passagens, alimentação, aluguel de espaço, e toda uma infraestrutura por trás. Queremos estar do lado de cá, recebendo. Raramente queremos estar do lado de lá, pagando. Por outro lado, também não estamos nem um pouco interessados em oferecer nosso trabalho. Quantos daqueles que reclamam já ofereceram suas casas, uma refeição, seus braços e suas pernas para o que fosse necessário quando ouviram falar de um retiro ou professor que estaria vindo à sua região? E veremos que a resposta é surpreendentemente pequena, quase nula, entre aqueles que costumam reclamar. O contrário, na verdade, é até mais verdadeiro, e aqueles que menos reclamam e de bom grado contribuem financeiramente para atividades de dharma, são também aqueles que além disso oferecem tantas coisas a mais. Novamente, queremos estar do lado de cá, recebendo e de forma confortável. Raramente queremos estar do lado de lá, doando e suando.
Nessa semana, meu colega no Dharma Shisir Khanal do Sarvodaya, me enviou um email e um video muito interessante. Ele conta duas histórias. Uma, a de um professor que em 1958 levou seus alunos a uma pequena vila de intocáveis no Sri Lanka. Lá eles trabalharam junto com as pessoas, compartilharam das refeições, cantaram e dançaram. Então construíram escolas, casas e banheiros. Essa iniciativa, anos mais tarde, transformou-se no Sarvodaya, um movimento de inclusão social e desenvolvimento comunitário que hoje serve quinze mil comunidades.
A outra história, contada no video, ocorreu no mês passado. Um grupo de alunos do Nepal visitou um vilarejo decidido a consertar uma estrada em péssimas condições. A estrada tinha sido construída trinta anos atrás. Eles trabalharam muito, suaram, e os aldeões os alimentaram com arroz, batatas e vegetais. Eles gastaram no total uns cem reais para o aluguel do ônibus que os levou. E saíram com muito aprendizado.
Qual foi a última vez você levantou a mão e perguntou: “Como posso ajudar?” Qual foi a última vez que você espontaneamente ofereceu alguma coisa sem que alguém tivesse que pedir?
Muito bom Lucas. Acho que vc falou tudo quando escreveu: “Melhor dizer que o dharma não almeja lucro, porém tem seus custos; todo mundo que pratica em algum lugar sabe disto. Tentar fazer os custos estarem de acordo com as pessoas é mais importante que tentar fazer as coisas de graça”.
É uma questão cultural complexa, mesmo. Se as condições fossem tais que o ensino do dharma não precisasse de nada mais, ele seria realmente gratuito, pois como poderia se cobrar por ele?
Melhor dizer que o dharma não almeja lucro, porém tem seus custos; todo mundo que pratica em algum lugar sabe disto. Tentar fazer os custos estarem de acordo com as pessoas é mais importante que tentar fazer as coisas de graça.
Eu me lembro de um casal de amigos que parou de praticar aqui em Floripa por vergonha; vergonha de não poder dar uma contribuição mensal “como todos os outros”. Estavam em uma situação apertada, mesmo.
Este era, ao menos, o motivo dado.
Perguntei se eles não viam outras formas de ajudar. No final, não voltaram mais.
Um grande abraço!
Lucas / Floripa
Muito bom, muito bom!!!!
Mais uma grande lição!!!
Obrigado
Davi
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