Não estamos falando aqui de moralismo caduco. Ética e moral sadia, no sentido buddhista, significam o cuidado atencioso nas relações. Que ações causam o quê em nossa rede? “A vida é minha e eu faço o que eu quero, ninguém tem nada a ver com isso“, frase tão comum de se ouvir por todos os cantos atualmente, é algo que até dói aos ouvidos sensíveis.
Uma das diferenças entre ética e moralismo, é que neste último todas as ações são vistas como benéficas ou maléficas, boas ou más. Há uma rigidez do pensamento, rigidez que infelizmente também ocorre entre muitos buddhistas com suas traduções de samma como “correto”. Ação correta, fala correta, etc. Isso não está errado, mas faz com que alguns pensem que há correto e incorreto em todos os fatores do óctuplo caminho. Na ética isso muda. Ela é mais sutil, mais refinada, exige mais inteligência. Não se trata de classificar ações em si como corretas ou incorretas, boas ou más. O cerne da questão aqui é se são apropriadas ou não. Uma ação não precisa ser feita com “intenções maléficas” (vejam o tema das boas intenções) para que seja inapropriada.
A adequação ou não, propriedade ou não, de uma ação baseia-se naquela percepção, proveniente de um coração claro, que leva em consideração não apenas o “eu, meu e meu eu”, mas se uma dada ação, palavra ou mesmo pensamento, são apropriados ou não num contexto maior. Moralismo somente vê se uma intenção é boa ou má. Ética compreende o contexto, leva em conta a honradez, justiça, história, circunstância. A ética ocorre no contexto da inteligência não dominada completamente pela paixão, ambição, malevolência, confusão mental.
Samma kammanta, o comportamento correto, não se refere, assim, a apenas se uma ação tem boa ou má intenção (no contexto restrito do “bom para MIM”). Somente o sentir incômodo, angústia, desconfiança de que poderá causar desconforto ou apreensão ao pensar na ação ou fazer a ação, já seriam dicas suficientes para alguém iniciar a decisão ética. É por isso que ética tem a ver com inteligência e sutileza. Tem a ver com um coração sensível ao espaço em torno. Significa estar observante do contexto, ao invés de desconectado dos sinais morais revelando-se na mente. Num coração prudente, a dúvida se uma ação causará desconfortos ou transtornos, já basta para acender o senso moral.
Me parece que a ética, o cultivo de certas virtudes não só são precedidos por uma ‘mente livre’, como facilita esta liberdade. A generosidade, por exemplo, uma vez que ‘silencia’ o desejo sensual – responsável por nos fazer ver da realidade, apenas, o que confirma nossa própria preferência – concede ao outro o ‘benefício da compreensão’. Ser generoso, portanto, é uma forma de manter-se aberto à linguagem em torno: uma realidade que pode ou não ser traduzida verbalmente. E o dever que procede da possível compreensão dessa linguagem é sempre um dever ético.
Divago?…
Façam isso então! Pois são nessas questões que a grande maioria dos problemas de todas as pessoas giram em torno! Raros têm dores de cabeça por causa do vazio ou de outros pontos de doutrina, mas muito inconveniente e sofrimento é feito a si e aos outros por causa de ações e pensamentos inapropriados.
“Muitos querem saber sobre vacuidade, não-eu, estágios de insight, etc. O comportamento ético acaba negligenciado.”
Perfeito. Não adianta querer alcançar uma mente pacífica através do treinamento da meditação, se esquecemos da fundação, Sila.
Gostei das “dicas”… são bons parâmetros para avaliação do nosso comportamento.
Acho que vale uma discussão em cima desse post pelos grupos Nalanda.
Metta,
Fernando Zanelato
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