por Buddhadāsa Bhikkhu
Todas as manhãs eu saía para a ronda de coleta de alimentos ao longo dos limites amplos de Suan Mokkh, em meio ao caminho estreito através de moitas ao lado da grande lagoa. No meio desse caminho eu “gastava tempo” esperando por uma jovem lontra que saia para rolar e brincar no solo arenoso. Depois de terminar seus afazeres, ela saia do meu caminho. Enquanto esperava, de vez em quando ela levantava as duas pernas para olhar para mim. É como se estivesse me desafiando: “Se você se atrever a me bater, então vá lá e tente”. Quando ela se elevava até a altura do meu peito a uma distância de apenas oito ou nove metros, eu era como todos vocês que nunca encontraram esse tipo de problema antes. Além disso, eu estava nos estágios iniciais de meu treinamento no modo superior do Dhamma do Bem-Aventurado — isto é, não lutar e não me proteger, mas não fugir, não ter medo e não recuar. O que você esperaria ou o que você poderia querer que eu fizesse além de ficar e esperar que ela desaparecesse?
Outro aspecto disso, que deve ser considerado muito especial e tem sido um grande apoio para mim, é o amor por aprender que deseja entender e quer experimentar as coisas. Enquanto a força mental e a vigilância (mindfulness) ainda estiverem comigo, tudo o que quero fazer é tentar, mesmo que signifique descobrir como é a mordida de um tigre, a mordida de uma cobra, os truques de um fantasma ou uma conversa com espíritos desagradáveis. Tudo isso pode ser tomado como oportunidades para estudar essas coisas, bem como para testar minha própria força, coragem e sensibilidade.
Parece, no entanto, que a fortuna não me leva nessa direção. O medo acaba por se revelar como algo enganoso e inútil, em outras palavras, desperdicei minhas chances como convém a essa estupidez que se faz tomar pelo temor. Assim, se tivermos sabedoria e raciocínio suficientes para nos mantermos, podemos esperar pela segurança e oportunidades para estudos mais refinados.
As coisas de que tive medo se tornaram cada vez mais coisas comuns até haver momentos em que elas se tornaram objetos de diversão e eu me vi transformando em outra pessoa. E quando as coisas avançam assim, os obstáculos baseados no medo, os quais interferiram na estabilidade mental e na concentração, diminuem e acabam desaparecendo. Sou capaz de me sentar em lugares tranquilos lá fora solitariamente à noite sem qualquer forma de proteção além das vestes que estou usando. Então, a mente é firme e direta em sua prática como deveria ser.
Eu costumava pensar que deveríamos confiar em proteções como cercas e mosquiteiros para ajudar a diminuir a ansiedade de nos sentarmos sozinhos em lugares assustadores. No entanto, devo confessar aos meus colegas que isso não é provável que seja verdade. Nunca conseguiremos uma nova mente que realmente deixe passar as coisas utilizando dessa abordagem. Tal mente permanece ansiosa e nunca tem força e motivação suficientes. Uma vez que deixamos de lado tais apoios reconfortantes, a tolice das pessoas comuns volta novamente.
(De Dez Anos em Suan Mokkh, uma biografia de Tan Ajahn descrevendo os anos formativos do mosteiro das florestas que ele havia fundado em 1932, publicado pela primeira vez em 1943, quando tinha trinta e seis anos de idade. Traduzido do tailandês por Santikaro Bhikkhu, e do inglês por Ricardo Sasaki.)
Certamente ele deve ter sido uma grande pessoa. Nesta idade, depois de anos de vida monástica, muito provavelmente ele já havia alcançado altos níveis de realização, e mesmo assim continuava com esforço para expandir seus limites.
Isso me lembra de um conselho de Bhikkhu Bodhi, que diz que nós devemos nos considerar ‘eternos aprendizes’.
Obrigado por traduzir.
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