Em Não-Dualidade I, falei que uma vez que a conduta é classificada no cânon antigo segundo as motivações que as causam e não segundo as ações ‘físicas’ de que se constituem, escapa-se assim da crítica superficial de que esse seria um esquema rígido de julgamento segundo comportamentos exteriores. Entretanto, apesar de esclarecer uma parte da questão, isso faz surgir um outro problema pois, em seguida, podemos nos perguntar: ‘E como julgar as motivações ou intenções por trás dos comportamentos?’
Bhikkhu Bodhi coloca que: “O Buddha diz que o liberado vive contido pelas regras do Vinaya, vendo o perigo nos menores erros“. Adeptos da visão não-dual do Buddhismo vêm nisso um motivo para acusarem o Cânon antigo, e as escolas que o tomam como autoridade, com o nome pouco louvável de hinayana ou como expressão de apego a regras. Por que? Porque uma vez que nele se coloca que o bhikkhu vive segundo as regras do Vinaya, então, ele não se libertou ainda do apego a normas e regras, ao contrário do adepto não-dual que, por suposto, encontrou uma forma mais livre de se expressar que não pelas estreitas regras monásticas. E pelo bhikkhu ‘ver o perigo nos menores erros’ demonstra-se de forma patente a insuficiência desse modus vivendi uma vez que ver o perigo implicaria, segundo os adeptos não-duais, em fazer uma distinção no seio do samsara entre bom e mau, saudável e perigoso.
Robert Thurman, o primeiro monge ocidental do Buddhismo Tibetano e um dos nomes mais conhecidos no Buddhismo ocidental (e para quem não sabe, pai da famosa atriz Uma Thurman), em um de seus escritos menos felizes (Essential Tibetan Buddhism) chega a denominar o Theravada de ‘Buddhismo do Veículo Individual ou Monástico’, em uma clara alusão ao caráter primário ou inicial dessa forma buddhista quando comparada a formas mais ‘avançadas’. Três premissas estão subjacentes aqui. 1) o Theravada é um ‘veículo individual’; 2) ele é monástico; 3) ele, portanto, é básico ou primário. A primeira é um preconceito; a segunda é uma particularização indevida (uma vez que todas as formas clássicas do Buddhismo também o são); a terceira é fruto da falácia do gradualismo aplicado a escolas, tema de Não-Dualidade III.
O monasticismo, então, aparece na visão não-dual como apropriado para aqueles que ainda consideram o samsara segundo olhos duais, portanto: perigoso, ruim, a ser evitado. A afirmação de que ‘o liberado vive contido pelas regras do Vinaya’, entretanto, aparece no Cânon antigo. Isso é o que o Buddha diz, segundo o Cânon. Nas palavras do Buddha, seu ensinamento é chamado de Dhamma-Vinaya. Não existe a palavra Buddhismo no Oriente. Buddhismo em pali e sânscrito é Dhamma-Vinaya.
Como fazer então para explicar o paradoxo do monasticismo (o viver segundo as regras) como caminho inferior e o fato de o Buddha ter chamado o próprio ensinamento de Dhamma-Vinaya?
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