Nessa semana duas notícias estão nas manchetes. Monges japoneses do Shingon, com a explicação de que o templo está vazio e é preciso levar o Buddhismo a outros lugares, aparecem uma vez por mês num clube de jazz. Lá, em meio a uma platéia de fumantes e bebedores de cerveja, cantam sutras buddhistas. É o dharma se tornando artigo de consumo. É “arte”, alguns diriam.
No outro extremo da Ásia, a outra notícia (que está em todos os jornais do Sri Lanka nessa semana) vem do muito controverso partido político fundado por monges theravada. Seu líder, o monge Medhananda , seguindo uma permissão por lei, que permite advogados e monges comprarem bens estrangeiros com um pagamento mínimo das usualmente altíssimas taxas, comprou um luxuoso E-220 luxury Mercedes Benz e é agora acusado de vender a Mercedes com um lucro altíssimo (até nos lembra as Mercedes do Osho Rajneesh, não?). Enfim, esse partido de monges, que é pró-ativo na defesa da primazia do povo singhalês – e portanto, contra o processo de diálogo com a minoria tâmil, e mesmo a favor da luta armada – é sujeito a mais uma onda de críticas, dentre muitas, e agora o monge é jocosamente referido como aquele que dirige uma Mercedes-Benz na estrada do caminho óctuplo.
A seus críticos no Parlamento do Sri Lanka, o monge Medhanada cita o Vasala Sutta (verso 134), que diz que “Ele que critica um iluminado, seus discípulos, aqueles que abandonam o lar ou um chefe de família, é um sem casta (pária)”. Com isso, o monge Medhananda contrapõe todos aqueles que levantam qualquer crítica a ele e a seu partido. Obviamente uma distorção dos ensinamentos buddhistas, e esquecendo as freqüentes advertências do Buddha de que “Aquele que veste o manto laranja sem estar livre das impurezas, que é falto de autocontrole e sinceridade, não é merecedor do mando laranja” (tal como aparece no Dhammapada 9), esta atitude pretenciosa é infelizmente sustentada pelo mundo por devotos pios e fundamentalistas, sempre prontos para idolatrarem a persona de seus ayatolás, lamas, pastores e senseis, ao invés de serem, isto sim, devotos dos ensinamentos em si. Por vezes os resultados são leves e inconsequentes, apenas criando mentes incapazes de pensarem por si mesmas e beatas repetidoras; outras vezes simplesmente criam uma perda do precioso tempo dos praticantes; outras ainda causam consequências irreparáveis, como no caso do vajra-regente, sucessor de um importante mestre tibetano, o qual provou-se ter conscientemente passado Aids para dezenas de devotos e devotas com os quais compartilhava relações íntimas. Sua explicação, surpreendente quando analisada de fora, mas compreensível quando se conhece o ambiente de quase-idolatria cercando alguns lamas no Buddhismo Tibetano, foi a de que acreditava possuir meios extraordinários de proteção!
Nada disso testemunha contra o Buddhismo em si, assim como os inúmeros escândalos de padres, pastores e sacerdotes de outras religiões não testemunham contra suas religiões. Como foi dito logo no início, religiões são vividas por pessoas, e estas são falhas. O que isso tudo fala para nós, entretanto, é um testemunho de como a fé cega, acoplada à falta de conhecimento real das doutrinas mais ortodoxas dessas religiões, pode ser um instrumento de confusão e dano, psicológico e físico. O fundamentalismo da interpretação da letra, a idolatria a personalidades, a crença em poderes ‘especiais’ dos mestres e a diminuição do valor das regras éticas a favor do culto (sem fundamento escritural) da infabilidade monástica ou de professores religiosos, são algumas das feridas profundas que se alastram na comunidade buddhista e religiosa em geral. Tais feridas e outras na política, na justiça, no sistema social, familiar, etc., nem é necessário realçar…
Eu não posso me chamar de Budista ainda, estou estudando. Mas penso que o maior erro desses monges é uma interpretação errada do “Caminho do Meio”. Neste conceito, nada é errado em si mesmo, o que devemos fazer é escolher o caminho que não nos destrua. Por vez essa flexibilidade nos leva a pensar que podemos nos controlar em qualquer situação. O Fato de monges visitarem Clubes de Jazz em si mesmo, penso eu, não é grave. Mas com certeza esta prática, quando frequente, será prejudicial visto que os atrativos da vida desregrada passarão a se tornar dominantes aos olhos, ouvidos e por fim à mente.
No meu entender, tais acontecimentos no âmbito religioso têm sua origem numa única raíz. A partir dela arboram também a corrupção política, roubo, crimes, etc, etc e etc. Enfim, tudo que visa a satisfação pessoal em detrimento dos direitos dos outros. Para mim, essa raíz é o próprio egoísmo.
Acho ainda, que este egoísmo é cultivado em nossa sociedade de um maneira como nunca fora antes. Sei que isso soa até meio clichê, afinal, sempre culpam nossa decadente sociedade atual. Creio que não posso evitá-lo…
Hoje as pessoas cultuam outras pessoas, todo mundo quer ser um artista de cinema, um executivo de sucesso com um zilhão de pós graduações, um “big brother”…
Some a isto, o consumismo desemfreado – a tendência de transformar tudo em um produto, a sensação contagiosa de que não há sentido para a nossa existência….
Enfim… É um assunto muito, muito, muito complexo e longo para tratar num comentário de um blog. 😉
O conformismo foi o caminho que a nossa sociedade escolheu para trilhar. Nada melhor que delegar a responsabilidade de tudo que acontece para um ser que nada tem a ver conosco, nada melhor que desejar algo que você queira muito para um outro ser que não somos nós.
Quando estamos de frente para o mar e vemos aquele horizonte infinito, nosso olhar não finda. O mesmo acontece quando fechamos os olhos, o olhar não finda em nosso ser, algo tão misterioso quanto o Oceano (e até muito mais!).
O que sabemos sobre nós mesmos é muito pouco, por isso é muito mais fácil culpar outros pelo que acontece e pode acontecer conosco.
O caminho para nos conhecermos pode ser extremamente árduo, principalmente na sociedade moderna, que centra sua cultura no(s) (seres) exterior(es).
Será que o exemplo de alguns pastores evangélicos brasileiros está se espalhando?
Será que por isso o Buddha nos deixou a instrução para que sejamos nosso próprio refúgio? Penso que seja por isso também…
Todo o caminho Buddhista nos orienta a tomarmos as rédeas de nossa própria salvação, mas nós insistimos em buscá-la fora de nós, transfirimos a responsabilidade, desviamos o olhar, esperamos que nos curem por que curarmo-nos a nós mesmos pode implicar em olhar dentro de um abismo profundo e temerário… e se temos a opção de delegar esta missão a um mestre, porque sofrer, não é mesmo?
Penso que os exemplos de conduta que nos chegam atraves de pais ambrosios, medhanadas e muitos lideres influentes confusos em geral são alertas uteis para realmente estarmos cientes de que tambem temos esse mesmo potencial para nos deixarmos seduzir pelas vias faceis que são colocadas a nossa disposição. Se tais pessoas com algum destaque ainda que efemero, conseguem atingir tanta gente, é porque lhes foram outorgados poderes para isso. Para mim casos do genero reforçam a atualidade e importancia do Kalama Sutta e do esforco correto para fortalecimento da atenção plena
Sidney
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