O Monge que Ensinou Mindfulness ao Mundo Aguarda o Fim desta Vida


Thich Nhat Hanh, mostrado em uma foto não datada em seu mosteiro em Plum Village na França, introduziu maneiras de meditar que qualquer um poderia dominar

por Liam Fitzpatric / Hue, Vietnã

Em um templo buddhista nos arredores de Hue, antiga capital do Vietnã, Thich Nhat Hanh, de 92 anos, começou a fazer silenciosamente a “transição”, como seus discípulos colocaram. O frágil monge que é uma celebridade – citado por presidentes e saudado por Oprah Winfrey como “um dos líderes espirituais mais influentes de nossos tempos” – está recusando a medicação receitada depois de um derrame em 2014. Ele está em uma vila no terreno do Tu Hieu Pagoda do século 19, aguardando a libertação da natureza cíclica da existência.

No portão, os devotos tiram fotos. Alguns têm voado da Europa a fim de ter um vislumbre de Thay, como eles o chamam, usando a palavra vietnamita para professor. Desde que chegou em 28 de outubro, ele fez várias aparições em uma cadeira de rodas, saudado por centenas de peregrinos, embora as chuvas e sua fragilidade, em geral colocaram um fim nisso. Em uma tarde molhada de dezembro, as cortinas foram afastadas Para que o TIME pudesse observar o monge sendo visitado por um par diplomatas dos EUA. O mestre zen, incapaz de falar, parecia estar por dar sua última respiração a qualquer momento. Seu quarto é desprovido de tudo, exceto o mobiliário básico. Nascido como Nguyen Xuan Bao, ele foi banido na década de 1960, quando o governo vietnamita do sul o considerou como traidor diante de sua recusa de apoiar a guerra contra o comunismo. Ele está agora de volta ao templo onde ele fez seus votos aos 16 anos, após 40 anos de exílio. Emolduradas acima da cama estão as palavras tro ve – “retornando” – pintadas por ele mesmo.

No Ocidente, Nhat Hanh é por vezes chamado o pai de mindfulness. Com sucesso ele ensinou como todos nós poderíamos ser bodhisattvas por encontrar a felicidade nas coisas simples – descascando cuidadosamente uma laranja ou bebendo chá. “Um Buddha é alguém que é iluminado, capaz de amar e perdoar”, escreveu em Your True Home, um dos mais de 70 livros que escreveu. “Você sabe que às vezes você é assim. Então, divirta-se sendo um Buddha”.

Sua influência se espalhou globalmente. Christiana Figueres, ex-secretária executiva do Framework Convention on Climate Change das Nações Unidas, disse em 2016 que não poderia ter realizado o Acordo de Paris “se eu não tivesse sido acompanhada pelos ensinamentos de Thich Nhat Hanh”. O presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim, chamou o Miracle of Mindfulness de Nhat Hanh seu livro favorito.

O retorno do monge ao Vietnã para o término de sua vida pode ser visto como uma mensagem para seus discípulos. “A intenção de Thay é ensinar [a ideia de] raízes e que seus alunos aprendam que têm raízes no Vietnã”, diz Thich Chan Phap An, chefe do European Institute of Applied Buddhism de Nhat Hanh. “Espiritualmente, é uma decisão muito importante”.

Mas, de maneira prática, isso corre o risco de reabrir feridas antigas. Outros exilados vietnamitas ficaram furiosos com visitas altamente divulgadas que Nhat Hanh fez em 2005 e 2007, quando ele viajou pelo país e realizou serviços com muita participação que apareceram em manchetes internacionais. Para seus críticos, esses passeios conferiram legitimidade ao Partido Comunista governante, criando a impressão de que havia liberdade de culto no Vietnã, quando na verdade isso está sujeito a rigorosos controles estatais.

Outros líderes espirituais sofreram sob o regime; Thich Quang Do, patriarca da banida Unified Buddhist Church do Vietnã (UBCV), passou muitos anos na prisão ou sob prisão domiciliar. Em novembro, a Comissão dos EUA sobre a Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF), o painel do governo que monitora a liberdade religiosa globalmente, emitiu uma declaração condenando seu tratamento por Hanoi. Neste contexto, Vo Van Ai, porta-voz da UBCV com sede em Paris, disse que as visitas anteriores de Nhat Hanh ao Vietnã “foram joguetes nas mãos do governo”.

O significado de seu retorno, portanto, traz grande peso aqui no Vietnã. “[Isso] simboliza que tanto ele quanto o tipo de buddhismo que ele representa são fundamentalmente vietnamitas”, diz Paul Marshall, professor de liberdade religiosa na Universidade Baylor, no Texas. “Para o governo, isso é um desafio e uma oportunidade. Se ele viver sua vida em paz, eles podem reivindicar o crédito”.

Florescendo no exílio

Nhat Hanh sempre seguiu seu próprio caminho. Ele se tornou um noviço contra os desejos de seus pais, então deixou uma academia buddhista porque ela se recusava a ensinar assuntos modernos. Ele estudou ciências na Universidade de Saigon, editou uma revista humanista e estabeleceu uma comuna.

Depois de ensinar buddhismo nas universidades de Columbia e Princeton de 1961 a 1963, ele retornou ao Vietnã para se tornar um ativista antiguerra, arriscando sua vida com outros voluntários a fim de levar ajuda a comunidades devastadas pela guerra. Ele se recusou a tomar partido, fazendo com isso inimigos no Vietnã do Norte e do Sul. Sua comuna foi atacada por tropas sul-vietnamitas, e uma tentativa de assassinato foi feita contra sua vida.

Em 1966, quando a guerra escalou, ele deixou o Vietnã para fazer uma turnê por 19 países a fim de pedir a paz. Dirigiu-se aos parlamentos britânicos, canadenses e suecos, e reuniu-se com o Papa Paulo VI. Isso provou ser demasiado para o regime em Saigon, que viu o pacifismo como o equivalente à colaboração com os comunistas, impedindo-o de retornar. A próxima vez que Nhat Hanh viu o Vietnã foi durante uma visita em 2005.

Sua reputação cresceu no exílio. Os hippies ajustaram sua poesia antiguerra à música. Em 1967, ele foi nomeado por Martin Luther King Jr. para o Prêmio Nobel da paz, e em 1969 ele dirigiu uma delegação buddhista para as conversações de paz em Paris. Ele eventualmente se estabeleceu no sudoeste da França, onde transformou o Mosteiro Plum Village buddhista no maior da Europa, e estabeleceu outros oito mosteiros do Mississippi à Tailândia. Ele supervisionou a tradução de seus livros em mais de 30 idiomas. Quando o interesse ocidental pelo buddhismo passou por um renascimento na virada do século, Nhat Hanh tornou-se um de seus praticantes mais influentes.

Em 1967, Martin Luther King Jr. exortou o comitê do Prêmio Nobel a honrar “este monge gentil do Vietnã”. Edward Kitch-AP

Nhat Hanh ensinou que você não precisa passar anos no topo de uma montanha para se beneficiar da sabedoria buddhista. Em vez disso, ele diz, apenas tome consciência de sua respiração, e através disso venha para o momento presente, onde as atividades diárias podem assumir uma qualidade milagrosa e alegre. Se você estiver plenamente consciente (observância vigilante), ou totalmente presente no aqui e agora, a ansiedade desaparece e um sentimento de atemporalidade se apodera, permitindo que suas qualidades mais elevadas, como bondade e compaixão, emerjam.

Isso foi altamente atraente para os ocidentais que buscam espiritualidade, mas não querem as armadilhas da religião. Executivos estressados e alcoólatras em recuperação se reuniram em retiros no interior da França para ouvir Nhat Hanh. Todo um movimento de vigilância (consciência plena) surgiu na esteira desta estrela do dharma. Entre seus alunos estava o médico norte-americano Jon Kabat-Zinn, fundador do curso de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (Mindfulness Based Stress Reduction), que agora é oferecido em hospitais e centros médicos em todo o mundo. Hoje, o mindfulness que Nhat Hanh fez tanto para propagar é uma indústria de US $1,1 bilhão nos EUA, com receitas fluindo de 2.450 centros de meditação e milhares de livros, aplicativos e cursos on-line. Uma pesquisa constatou que 35% dos empregadores incorporaram a vigilância (consciência plena) no local de trabalho.

A abordagem de Nhat Hanh tem sido comercialmente bem sucedida em parte porque faz poucas exigências, pelo menos de iniciantes — ao contrário da meditação mais rigorosa defendida por outro grande expoente do buddhismo no Ocidente, o Dalai Lama. “Thich Nhat Hanh fornece uma versão simples do buddhismo, mas eu não diria que é demasiado simplificada”, explica Janet Gyatso, Professora Hershey de Estudos Buddhistas na Divinity School da Universidade de Harvard. A “filosofia básica é a mesma” que a do Dalai Lama, diz ela. “Mindfulness e compaixão”.

Nhat Hanh, no centro, liderou uma caminhada silenciosa pela paz em Los Angeles em 2005, quando a Guerra do Iraque escalou.

Próximo da Controvérsia

Em uma entrevista não publicada que ele deu a TIME em 2013, Nhat Hanh se recusou a dizer se ele queria voltar para casa para sempre. Ao invés disso, ele elogiou os jovens dissidentes do Vietnã. “Se o país vai mudar, será graças a esse tipo de coragem”, disse ele. “Estamos lutando pela liberdade de expressão”.

De fato, a situação para todos os direitos no Vietnã é crítica. Durante o exílio de Nhat Hanh, centenas de milhares de pessoas foram enviadas para campos de reeducação ou mortas por um Partido Comunista que hoje tem controle absoluto. Ativistas são espancados, torturados e presos. Os direitos de associação são restritos, assim como a imprensa e o judiciário. A liberdade religiosa é fortemente restringida e a Buddhist Church oficial do Vietnã é controlada pelo Estado.

Para seus críticos, o monge deveria ter feito maior uso de sua posição para chamar a atenção para esses abusos. Ai, o porta-voz da UBCV, diz que Nhat Hanh era “mundialmente famoso no exterior, mas ansiava por ser famoso em sua pátria” e o acusa de cooperar com o regime, a fim de ser dada permissão para sua turnê de 2005. Hanoi concedeu permissão a Nhat Hanh para visitar naquele ano, uma vez que buscava a remoção do Vietnã da lista USCIRF de países de particular preocupação (CPC), onde de mantinha junto com a Coreia do Norte, Irã e Arábia Saudita. O diário oficial comunista Nhan Dan citou Nhat Hanh como dizendo: “Os vietnamitas querem ser libertados do que os americanos chamam de libertação para os vietnamitas”, sem explicar que ele havia dito essas palavras décadas antes, no contexto inteiramente diferente de Guerra do Vietnã.

Washington concordou com Hanoi em remover o Vietnã do CPC em 2006, para a fúria dos não-conformistas forçados ao exílio. “Muitos que haviam olhado para Thich Nhat Hanh como um Buddha vivo, com total respeito e admiração, ficaram profundamente desapontados ao vê-lo ceder às autoridades comunistas”, disse Ai. Bill Hayton, associate fellow do programa asiático do London’s Royal Institute of International Affairs, explica que muitos na diáspora vietnamita não tolerarão qualquer compromisso com Hanoi. “A seus olhos, Thich Nhat Hanh é um vendido porque está preparado para trabalhar dentro dos limites impostos pelo partido comunista”.

Mas Nhat Hanh não estava totalmente calado. Durante sua visita de 2007 ao Vietnã, ele pediu ao então presidente Nguyen Minh Triet que abolisse o Religious Affairs Committee que monitora os grupos religiosos. O jornal anual de Plum Village de 2008 foi mais longe e apelou ao Vietnã para abandonar o comunismo. Seus seguidores pagaram um preço pesado. Em setembro de 2009, a polícia e uma multidão contratada expulsaram violentamente centenas de monges e monjas de um mosteiro que Nhat Hanh tinha sido autorizado a construir em Bat Nha, no sudeste do Vietnã, e que tinha atraído milhares de devotos.

No entanto, se Nhat Hanh cortejou a controvérsia ao se envolver com o partido, ele também ganhou a capacidade de obter o acesso ao povo vietnamita — e esse poderia ter sido o objetivo o tempo todo. A Igreja Buddhista Vietnamita oficial, diz Hayton, “não tem líder que se compare com Thich Nhat Hanh ou suas ideias de mindfulness”. Durante as turnês de Nhat Hanh, ele foi capaz de defender uma forma concisa e modernizada do buddhismo muito diferente da religião, por vezes percebida como antiquada e arcana. O impacto ainda é sentido pelos jovens vietnamitas de hoje. Em novembro, Linh Nhi, 27 anos, viajou de Saigon para manter uma vigília em Tu Hieu. “Se eu puder conhecê-lo, isso é bom”, disse ela aos meios de comunicação locais. “Se não, ainda estou feliz porque posso sentir a sua presença”.

O buddhismo ensina que Nhat Hanh precisa oferecer sua presença, e ao fazê-lo, ele está abraçando as raízes de seu sofrimento na Guerra do Vietnã. Ele está certamente ciente de que Hanoi criará capital político com o seu regresso para casa. Mas, assim, o mestre zen está evidentemente jogando um longo jogo — o jogo mais longo de todos, na verdade, que é a eternidade.

— matéria de Supriya Batra/Hong Kong e Bryan Walsh/Nova York, em Time.com  e aparecerá no número do Time de 4 de fevereiro de 2019.

Tradução para o português de Ricardo Sasaki

A saúde de Thich Nhat Hanh está “notavelmente estável”, apesar do relato no TIME

Por Sam Littlefair | 25 de janeiro de 2019

* Uma matéria da Lion ‘s Roar

Um relato no TIME disse que Thich Nhat Hanh tinha parado de receber medicação ou sair para fora de casa.

A saúde de Thich Nhat Hanh é “notavelmente estável”, diz um representante da Plum Village. O amado professor buddhista de 92 anos está recebendo tratamento oriental e acupuntura, e regularmente sai para passear pelos terrenos do templo em sua cadeira de rodas.

As declarações de Plum Village contradizem um relato publicado na revista TIME esta semana, por Liam Fitzpatrick, baseado em uma viagem que Fitzpatrick fez ao templo de Thich Nhat Hanh há seis semanas. Fitzpatrick escreveu que, quando ele fez a visita, Thich Nhat Hanh “parecia estar por dar sua última respiração a qualquer momento”. Ele também relatou que Thich Nhat Hanh havia recusado medicação e parou de sair de sua casa, em parte devido à falta de saúde.

“A saúde de Thay tem estado notavelmente estável, e ele continua recebendo tratamento oriental e acupuntura”, escreveu a representante da Plum Village, Irmã True Dedication, em um e-mail. “Quando há uma pausa nas chuvas, Thay sai para apreciar as lagoas e stupas do Root Temple, em sua cadeira de rodas, acompanhado por seus discípulos. Muitos praticantes, laicos e monásticos, estão vindo visitar Tu Hieu, e há uma bela e leve atmosfera de serenidade e paz, pois a comunidade gosta de praticar na presença de Thay”.

Thich Nhat Hanh sofreu um acidente vascular cerebral em novembro de 2014, do qual ele nunca se recuperou completamente. Há três meses, ele retornou ao seu país natal, o Vietnã, para “viver seus dias restantes” no templo onde treinou quando era jovem.

Thich Nhat Hanh é um dos mais famosos professores buddhistas do mundo e é creditado por ajudar a popularizar mindfulness no Ocidente. Conhecido por seu ativismo anti-guerra, em 1967, ele foi nomeado para o Prêmio Nobel da Paz por seu amigo Martin Luther King Jr. Ele é o fundador da Tradição Plum Village do buddhismo, que tem centros ao redor do mundo.

Tradução para o português de Ricardo Sasaki

dhanapala

Este é o blog pessoal de Ricardo Sasaki, psicoterapeuta, palestrante e professor autorizado na tradição buddhista theravada (Upasaka Dhanapala) e mahayana (Ryuyo Sensei), tradutor, autor e editor de vários livros, com um grande interesse na promoção e desenvolvimento de meios hábeis que colaborem na diminuição real do sofrimento dos seres, principalmente aqueles inspirados nos ensinamentos do Buddha. Dirige o Centro de Estudos Buddhistas Nalanda e escreve no blog Folhas no Caminho. É também um dos professores do Numi - Núcleo de Mindfulness para o qual escreve regularmente. Para perguntas sobre o buddhismo, estudos em grupo e sugestões para esta coluna, pode ser contactado aqui: biolinky.co/ricardosasaki

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